1. Introdução
Em 09.04.2025, foi sancionada a Lei Estadual 22.344 do Estado do Paraná. A nova Lei altera a Lei Estadual 17.046/12 (que dispõe sobre normas para licitação e contratação de Parcerias Público-Privadas – PPPs) e a Lei Estadual 19.811/19¹ (que dispõe sobre PPPs e estabelece normas para desestatização e contratos de parceria). A reforma atualiza o cenário das PPPs no Estado do Paraná, reforçando mecanismos benéficos ao parceiro privado e ao Poder Público.
Em linhas gerais, a Lei Estadual 22.344 (i) substitui referências à Lei Federal 8.666/93 por referências à Lei Federal 14.133/21; (ii) altera o valor contratual mínimo para PPPs; (iii) institui novos parâmetro de proporcionalidade para sancionamento por inadimplemento contratual; (iv) prevê rol de instrumentos para concessão de reequilíbrio; (v) inclui a conta garantia como hipótese de garantia em contratos de PPPs; e (vi) revoga dispositivos sobre Fundo Garantidor das Parcerias Público-Privadas do Paraná (FGP/PR) e Fundo para o Desenvolvimento de Projetos de Infraestrutura (Funpar), autorizando a vinculação de recursos do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) e da Quota Estadual do Salário Educação (QESE).
2. Substituição de referências à Lei 8.666/93 por referências à Lei 14.133/21
Dispositivos que ainda faziam referência à Lei 8.666/93 passaram a referenciar a Lei 14.133/21,² eliminando a sobreposição de regimes. A alteração é efeito direto da revogação definitiva da Lei 8.666/93 (que ocorreu em 30.12.2023) e confirma a incidência subsidiária da Lei 14.133/21 às PPPs (conforme art. 186 da Lei 14.133/21).
Por outro lado, nos arts. 8º e 18 da Lei Estadual 22.344/25, o legislador manteve a expressão “álea extraordinária e extracontratual” – que já constava da redação original dos arts. 38, caput, da Lei Estadual 19.811/19 e art. 16, § 1º, da Lei 17.046/12 (ora modificados) – em conjunto com a referência ao art. 124, II, “d”, da Lei Federal 14.133/21. Ocorre que, ao contrário do art. 65, II, “d”, da Lei 8.666/93, o art. 124, II, “d”, da Lei 14.133/21 não se utiliza da dicotomia entre álea ordinária e extraordinária, fazendo referência apenas à “repartição objetiva de risco estabelecida no contrato”.
A Lei 14.133/21 não adotou solução em abstrato para a distribuição dos riscos entre as partes em caso de desequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Por essa razão, especialmente nos casos em que o contrato não disciplinar o tema adequadamente, será necessária uma análise casuística e teórica mais minuciosa. É o que leciona MARÇAL JUSTEN FILHO:
A Lei 8.666/1993 consagrava uma solução geral e abstrata relativamente à alocação dos riscos. Adotava a distinção entre ordinariedade e extraordinariedade dos eventos. Sob a Lei 8.666/1993, os eventos que configurassem álea ordinária eram atribuídos ao risco do contratado. Aqueles que se caracterizassem como extraordinários seriam de responsabilidade da Administração. […]
A Lei 14.133/2021 não adotou solução teórica e em abstrato para a distribuição dos riscos entre as partes. Estabeleceu que o contrato disciplinará o assunto, tomando em vista a solução economicamente mais eficiente em vista das circunstâncias do caso concreto. Em face da Lei 14.133/2021, caberá construir a solução mais apropriada, especialmente em vista da perspectiva de que a Administração atribua ao particular a integralidade dos riscos, sem atentar para qualquer critério de eficiência econômica.³
3. Redução do valor mínimo de R$ 20 milhões para R$ 10 milhões
O art. 2º da Lei Estadual 22.344/25 altera o art. 2º, § 4º, I, da Lei Estadual 17.046/12, reduzindo de R$ 20 milhões para R$ 10 milhões o valor mínimo do contrato de PPP.
Com isso, aplica-se à PPPs do Estado do Paraná o mesmo limite mínimo estabelecido no art. 2º, § 4º, I, da Lei Federal 11.079/04 (alterado pela Lei Federal 13.529/17).
4. Proporcionalidade das penalidades à luz da adequação do serviço prestado e da continuidade da concessão
O art. 6º da Lei Estadual 22.344/25 complementa a redação do art. 16, caput, III da Lei Estadual 17.046/12, ampliando os parâmetros para gradação e proporcionalidade de penalidades em caso de inadimplemento contratual. Além da gravidade da infração, das obrigações assumidas e da reincidência do inadimplemento, a aplicação de penalidades deverá observar proporcionalidade em face de dois novos parâmetros: a adequação do serviço prestado e a continuidade da concessão.⁴
A redação estabelecida pela Lei Estadual 22.344/25 também afasta os limites percentuais aplicáveis às sanções de multa conforme o art. 156, § 3º, da Lei 14.133/21 (0,5% a 30% do valor do contrato).⁵
5. Instrumentos para concessão de reequilíbrio contratual
Outra inovação da Lei Estadual 22.344/25 foi a inclusão do § 6º ao art. 16 da Lei Estadual 17.046/212. O dispositivo elenca cinco instrumentos para reequilíbrio contratual, diversificando as possibilidades de se preservar o equilíbrio da equação econômico-financeira dos contratos de PPPs:
§ 6º O poder concedente poderá reequilibrar o contrato por meio dos seguintes instrumentos:
I – aumento no valor da tarifa paga pelo usuário;
II – aumento no valor da contraprestação paga pelo poder concedente;
III – extensão do prazo de concessão, respeitado o limite previsto no inciso II do caput deste artigo;⁶
IV – pagamento em espécie ou por meio de títulos em montante equivalente ao valor do desequilíbrio apurado;
V – fluxo de caixa marginal, considerando os fluxos de caixa marginais necessários à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro.
6. A hipótese da conta garantia
O art. 17 da Lei Estadual 22.344/25 também inclui a conta garantia como hipótese de garantia aplicável aos contratos de PPPs (art. 23, VII, da Lei 17.046/12).
A referência à conta garantia é uma inovação em comparação à legislação federal. Até então, o art. 23 da Lei Estadual 17.046/12 previa as mesmas hipóteses de garantias do art. 8º da Lei Federal 11.079/04 (vinculação de receitas, fundos especiais, seguro-garantia, garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras e garantias prestadas por fundo garantidos ou empresa estatal criada para essa finalidade).⁷
7. A nova disciplina dos fundos de garantia
Os parágrafos do art. 33 da Lei Estadual 19.811/19, criados pela Lei Estadual 22.344/25 ainda autorizam que (i) o Estado do Paraná vincule recursos (i.1) do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) (§ 1º) e (i.2) de repasses da Quota Estadual do Salário Educação (QESE) (§ 3º), para garantia de obrigações pecuniárias contraídas pelo parceiro público, conforme as finalidades a que se destinam; (ii) sejam criadas contas garantia para reserva de percentual dos repasses do FPE (§ 2º) ou da QESE (§ 4º) exclusivamente para garantir o adimplemento do contrato de PPP; (iii) o saldo remanescente da conta garantia seja transferido ao Tesouro Estadual, uma vez adimplidas as contraprestações assumidas pela Administração Pública, desde que observada a fonte de origem do recurso e o limite contratual mínimo de recursos a serem mantidos em conta.
Além dessas disposições, o art. 20 da Lei Estadual 22.344/25 revogou (i) a Lei Estadual 13.116/01, que dispunha sobre a destinação da QESE; (ii) o Capítulo IX da Lei Estadual 17.046/12, que dispunha sobre o Fundo Garantidor das Parcerias Público-Privadas do Paraná (FGP/PR); e (iii) o Capítulo VII da Lei Estadual 19.811/19, que dispunha sobre o Fundo para o Desenvolvimento de Projetos de Infraestrutura (Funpar).
Sobre o tema, nos autos do projeto da Lei Estadual 22.344/25,⁸ a Diretoria-Geral da Secretaria de Estado do Planejamento do Paraná salientou que os projetos estruturados de concessão administrativa exigem mecanismos modernos para garantia de contratos de parcerias, razão pela qual seria necessária a atualização da legislação do FGP/PR. Também propôs a extinção do Funpar, devido à falta de regulamentação e à inexistência de projetos que pudessem utilizar seus recursos.
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¹ Para uma análise detalhada da Lei Estadual 19.811/19, ver: SCHWIND, Rafael W.; BORDA, Daniel S. Lei 19.811/2019 do Paraná cria novos mecanismos para parcerias em projetos de desenvolvimento do Estado. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, nº 144, fevereiro de 2019. Confira aqui.
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² Atualizações nos seguintes dispositivos: Lei 17.046/212, art. 3º, § 3º; art. 13, I; art. 16, caput, IX e § 1º; e Lei 19.811/19, art. 32, § 2º e art. 38, caput.
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³ JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 1418-1419.
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⁴ Sobre o dever legal de se observar a razoabilidade e a proporcionalidade na dosimetria das sanções administrativas, ver: NESTER, Alexandre W.; SAVARIS, Mariana R. O dever legal de observar a razoabilidade e a proporcionalidade na dosimetria das sanções administrativas. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 186, agosto de 2022. Confira aqui.
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⁵ “§ 3º A sanção prevista no inciso II do caput deste artigo, calculada na forma do edital ou do contrato, não poderá ser inferior a 0,5% (cinco décimos por cento) nem superior a 30% (trinta por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com contratação direta e será aplicada ao responsável por qualquer das infrações administrativas previstas no art. 155 desta Lei”.
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⁶ Art. 16, II, da Lei 17.046/12: “o prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investimentos realizados, não inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, incluindo eventual prorrogação”.
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⁷ Sobre garantias em contratos de PPPs, ver: OLIVEIRA, Fernão Justen de. Garantias ao parceiro privado e comprometimento fiscal (p. 491-507); e SANTOS, Stella Farfus. Os mecanismos de garantia e a viabilidade das parcerias público-privadas de serviços de saneamento básico (p. 783-798). In: JUSTEN FILHO, Marçal; e SCHWIND, Rafael Wallbach (Coord.). Parcerias Público-Privadas: reflexões sobre a Lei 11.079/2004. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.
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⁸ Disponível aqui.

