Informativo Eletrônico - Edição 211 - Setembro / 2024

PACIFICA: A NOVA FERRAMENTA DE SOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE CONFLITOS DA AGU

Isabella Félix da Fonseca
Maria Julia Bezerra Castelo Branco

A adoção de soluções consensuais para resolução de controvérsias envolvendo particulares e a Administração tem ganhado força. No âmbito do Poder Judiciário, desde a edição do Código de Processo Civil de 2015 e da Lei 13.140/2015 (Lei de Mediação), é comum a resolução de conflitos por meio dos inúmeros centros de conciliação e mediação judicial espalhados pelo país.

Insere-se neste cenário a iniciativa da Advocacia-Geral da União que, em julho, editou a Portaria Normativa AGU n.º 144 para instituir a Plataforma de Autocomposição Imediata e Final de Conflitos Administrativos – PACIFICA.

A PACIFICA é uma plataforma que visa a concretizar normas e preceitos legais já existentes sobre mediação e conciliação na Administração Pública Federal. Destina-se, em especial, à celebração de acordos extrajudiciais em disputas individuais de baixa complexidade e alto volume (art. 1º, parágrafo único, da Portaria).

A PACIFICA deverá facilitar a resolução consensual de litígios e servir como instrumento para “desafogar” o sistema Judiciário; ou seja, visa a evitar a proposição de ações judiciais envolvendo entes da Administração Federal.

Assim, alguns dos principais objetivos da PACIFICA estabelecidos pela Portaria nº 144 são (art. 2º):

I. Fortalecer a cultura da resolução consensual de conflitos;
II. Contribuir para a redução da litigiosidade, evitando a propositura de ações judiciais e os custos dela decorrentes, quando houver meios mais adequados à solução de conflitos;
III. Consolidar o papel proativo da Advocacia-Geral da União na gestão de conflitos não solucionados administrativamente no âmbito dos entes representados;
IV. Proporcionar maior eficiência na gestão pública, otimizando recursos financeiros e humanos;
V. Reduzir a burocracia na realização de tarefas administrativas e na tramitação de expedientes;
VI. Estimular a cooperação entre os órgãos de contencioso e os órgãos de consultoria da Advocacia-Geral da União, visando à solução consensual de conflitos.

Ainda, o art. 4º da Portaria dispõe que a plataforma será implementada por meio de um canal digital que permitirá a submissão de solicitações de composição amigável após a negativa administrativa de pleito deduzido perante os entes e órgãos representados pela AGU com potencial de judicialização; do estabelecimento de fluxo e rotina de trabalho com elevado grau de automação para a análise da solicitação e oferta da proposta de acordo; e do cumprimento do disposto no acordo extrajudicial, de preferência de forma automatizada – para a rápida e efetiva concretização em favor do cidadão.

Nesse ponto, o normativo estabelece que o canal digital, além de permitir a submissão de solicitações de composição, deverá (i) adotar ferramentas que possibilitem a transparência das informações, de forma clara e precisa; (ii) garantir a segurança dessas informações, incluindo a proteção de dados pessoais; (iii) adotar linguagem simples; (iv) permitir integração com os demais sistemas utilizados pela AGU; dentre outros termos para a construção e desenvolvimento do sítio eletrônico da PACIFICA (art. 5º).

Inicialmente, nos primeiros estágios de implementação da plataforma, a utilização será voltada para o atendimento de solução de conflitos de caráter previdenciário (art. 7º, § 1). Segundo informações fornecidas pela própria AGU, na primeira fase, segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) cujos benefícios foram negados administrativamente poderão apresentar sua solicitação diretamente à Procuradoria Geral Federal (PGF). A PGF, por sua vez, avaliará se há normas internas que possibilitam a proposta de acordo extrajudicial para a concessão do benefício.

Essa iniciativa busca evitar a necessidade de acionamento da Justiça para resolver os conflitos, acelerando a implementação dos direitos dos segurados e promovendo uma utilização mais eficiente dos recursos destinados à Administração Pública. Somente após essa etapa inicial, é que a plataforma será usada na resolução de conflitos de outras áreas.

A Portaria nº 144/2024 ainda destaca que a AGU tem o dever de fomentar a PACIFICA junto aos órgãos por ela representados, tais como a Controladoria-Geral da União, as Agências Reguladoras, os Ministérios, as Autarquias e as Fundações Públicas Federais – para que haja a adesão da plataforma como forma preferencial de resolução de conflitos administrativos com potencial de judicialização (art. 6º).

Ademais, conforme informações do CNJ, em 2014 havia cerca de 362 Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) nos Tribunais de Justiça em todo o Brasil. Em 2015, o número de Cejuscs cresceu em 80,7%, totalizando 654 unidades. Ao final de 2023, o número de centros instalados havia saltado para 1.930, o que representa um aumento de aproximadamente cinco vezes em nove anos.

Esse crescimento nas alternativas de resolução de conflitos resultou em um aumento de 15% nas conciliações na Justiça do Trabalho. Segundo o CNJ, atualmente, cerca de 20,2% dos casos trabalhistas são resolvidos por meio de acordos, consolidando a Justiça do Trabalho como uma das que possui um dos maiores índices de conciliação.

O seguinte gráfico do CNJ ilustra esse dado¹:

Gráfico, Gráfico de barras

Descrição gerada automaticamente

Para Jorge Messias, Advogado-Geral da União, a PACIFICA tem o potencial de alterar a atual posição da União como um dos maiores litigantes do país, conforme o ranking do CNJ. Ele acredita que a ferramenta será crucial para aliviar a carga sobre a administração pública federal e o Judiciário, facilitando também a resolução de conflitos para a população, de forma ágil e simplificada. Também destacou que a nova plataforma servirá como um exemplo de como a tecnologia pode ser uma aliada importante no aprimoramento da gestão de conflitos.

Já a Procuradora-Geral Federal, Adriana Maia, acredita que a plataforma transformará a atual realidade sobre os acordos extrajudiciais: o número de acordos celebrados é significativamente inferior ao número de ações judiciais propostas. Para Adriana, a PACIFICA representa a concretização de um dos projetos mais ambiciosos da AGU. Ela explica que a ferramenta integra tecnologia e racionalização do trabalho, fortalece a advocacia pública como um meio eficaz para solução de conflitos envolvendo o Estado e, principalmente, proporciona uma maneira rápida e sem custos para reconhecer os direitos dos cidadãos de baixa renda.

Embora a PACIFICA represente um avanço na promoção da resolução extrajudicial de conflitos, alguns desafios podem impactar em sua aceitação, tais como a necessidade de se garantir a adesão ampla e a confiança dos usuários.

A confiança depende da garantia de imparcialidade e transparência nas propostas de acordo. A ausência de mecanismos claros para garantir a imparcialidade dos acordos e a transparência no processo poderá levar, por exemplo, à desconfiança e à resistência da parte dos segurados e dos advogados – nas etapas iniciais de implementação que, como já visto, focará em conflitos de caráter previdenciário.

Outro desafio à implementação da PACIFICA consiste na sua integração com o sistema jurídico existente. A necessidade de alinhamento com as normas jurídicas existentes e de garantir que os acordos extrajudiciais sejam efetivamente executáveis pode criar dificuldades. Caso se verifique, durante a implementação da plataforma, que há algum tipo de lacuna na aplicação das soluções propostas, a ferramenta poderá gerar insegurança jurídica e complicar a sua aceitação pelos cidadãos.

Outro aspecto que merece atenção é a questão da segurança e da proteção de dados. A implementação de uma plataforma digital exige o cumprimento rigoroso de proteção de dados e informações pessoais dos usuários. Falhas nessa proteção podem resultar em vazamentos de informações sensíveis e comprometer de forma generalizada a confiança na plataforma. Portanto, é essencial que a PACIFICA adote medidas de segurança robustas e ofereça garantias de proteção de dados para assegurar que a plataforma possa ser utilizada com confiança por todas as partes envolvidas.

Assim, é inegável que a criação e implementação da PACIFICA tem o potencial de reduzir significativamente o número de processos judiciais e promover a resolução extrajudicial de conflitos envolvendo a administração pública, oferecendo uma transformação promissora na resolução de disputas da Administração Federal. No entanto, para que a plataforma atinja seu máximo potencial, é necessário garantir transparência, imparcialidade e segurança na gestão das informações e acordos, além de uma integração eficaz com o sistema jurídico existente e a proteção dos dados dos usuários.

_____________________________
¹  Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Justiça em números 2024 / Conselho Nacional de Justiça. –Brasília: CNJ, 2024. Figura 142, pag. 255.

Compartilhe:

LinkedIn
WhatsApp
Isabella Félix da Fonseca
Isabella Félix da Fonseca
LL.M em Controle e Combate à Corrupção pelo IDP. Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Maria Julia B Castelo Branco
Maria Julia Bezerra Castelo Branco
Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.                                                        
Isabella Félix da Fonseca
Isabella Félix da Fonseca
LL.M em Controle e Combate à Corrupção pelo IDP. Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Maria Julia B Castelo Branco
Maria Julia Bezerra Castelo Branco
Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.