Sumário: 1. A decisão cautelar proferida na ADI 7.236; 2. A disciplina do art. 23, § 5º, da Lei 14.230/2021; 3. Fundamentos da medida cautelar: risco de prescrição e insuficiência do prazo; 4. Consequências práticas e insegurança jurídica.
1. A decisão cautelar proferida na ADI 7.236
Em 23 de setembro de 2025, o relator da ADI 7.236 que tramita no Supremo Tribunal Federal, Ministro Alexandre de Moraes, proferiu decisão monocrática, ad referendum do Plenário, deferindo medida cautelar para suspender a eficácia da expressão “pela metade do prazo previsto no caput deste artigo”, inserida pela Lei 14.230/2021 no § 5º do art. 23 da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa).
A ação foi proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, com manifestações dos Ministérios Públicos de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, na qualidade de amici curiae. Os entes destacaram o risco de prescrição em massa de milhares de processos.
Em termos concretos, a medida cautelar impede, até julgamento definitivo da ação direta de inconstitucionalidade, que o prazo prescricional das ações de improbidade seja reduzido de oito para quatro anos após cada causa interruptiva (acesse aqui íntegra).
Trata-se de regime provisório, válido até a decisão do Plenário, em julgamento já iniciado e suspenso por pedido de vista do Ministro Edson Fachin.
2. A disciplina do art. 23, § 5º, da Lei 14.230/2021
A reforma da Lei de Improbidade Administrativa, promovida pela Lei 14.230/2021, estabeleceu que, interrompida a prescrição, o prazo recomeçaria “pela metade do prazo previsto no caput deste artigo” (art. 23, § 5º).
Na prática, cada marco interruptivo reduziria o prazo de oito para quatro anos, restringindo o tempo para tramitação e revisão das decisões em segundo grau. Foi justamente essa redução que foi suspensa pela decisão do STF, restabelecendo provisoriamente o reinício do prazo integral.
3. Fundamentos da medida cautelar: risco de prescrição e insuficiência do prazo
A decisão está fundamentada na necessidade de responder ao alerta dos Ministérios Públicos estaduais, que identificaram a existência de pelo menos 8.065 ações de improbidade administrativa que seriam alcançadas pela prescrição (o MPSP identificou 1.889 processos; o MPMG indicou 3.188 ações; o MPRS apontou 1.022 demandas; e o MPRJ registrou aproximadamente 1.966 ações em curso, todos com risco de prescrição em outubro/2025).
Partindo dessas informações, a decisão destacou que a regra trazida pelo art. 23, § 5º, da Lei 14.230/2021, com a redução pela metade do prazo, fragiliza “o sistema de responsabilização por improbidade, comprometendo sua efetividade, na medida em que não haveria tempo hábil para as sentenças absolutórias serem revistas pelos tribunais, sobretudo quando o ajuizamento da ação interromper a prescrição, mas a sentença não”.
Também afirmou que a solução conferida estaria alinhada com o entendimento de outros ramos do direito, nos quais a interrupção da prescrição implica o reinício do prazo integral (Código Civil, art. 202, parágrafo único; Código Penal, art. 117, § 2º) – além de invocar compromissos internacionais anticorrupção, como a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (Decreto 3.678/2000) e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Decreto 5.687/2006), que recomendam prazos amplos e mecanismos de suspensão/interrupção adequados para o trâmite.
A decisão indicou ainda que, segundo estudo do Conselho Nacional de Justiça, “entre a data de ajuizamento da ação e o julgamento, foi observado a média de 1.548,63 dias (4,24 anos)”, e “o tempo entre a data do ajuizamento do processo e a data do trânsito em julgado foi de 1.855,83 dias (61,86 meses ou 5,15 anos)” (CNJ, Lei de improbidade administrativa: obstáculos à plena efetividade do combate aos atos de improbidade, Brasília, 2015).
4. Consequências práticas e insegurança jurídica
A liminar tem eficácia imediata, até o julgamento definitivo pelo Plenário, assegurando que a prescrição intercorrente continue a existir, mas com reinício pelo prazo integral de oito anos após cada causa interruptiva.
No plano prático, a Administração e o Ministério Público devem revisar o controle dos prazos prescricionais, recalculando a prescrição intercorrente nos processos em andamento.
Para os réus e seus advogados, a alteração do parâmetro exige readequação das estratégias de defesa, diante do desaparecimento da janela de quatro anos que funcionaria como limite rígido entre marcos processuais. Ou seja, novo parâmetro de reinício pelo prazo integral, ainda que provisório, exige replanejamento.
Sob o pretexto de evitar a prescrição em massa, a decisão causa incerteza para todos os atores envolvidos. A indefinição normativa e jurisprudencial desde a reforma de 2021 contribui para um cenário de insegurança jurídica incompatível com o princípio da confiança legítima, essencial à estabilidade das relações jurídicas e ao adequado funcionamento do Estado de Direito.

