Uma dúvida recorrente em relação ao Regime Especial de Incentivo para o Desenvolvimento da Infraestrutura – REIDI consiste em definir se o benefício obtido pelo empreendedor com base nesse mecanismo de fomento deve ser repassado às tarifas cobradas dos usuários.
Conforme será demonstrado, não há lógica em se exigir o repasse (ainda mais integral) do benefício às tarifas, especialmente em setores de infraestrutura que envolvem a cobrança de preços livres. Trata-se de entendimento que defendemos há muito tempo1 e que está sendo aplicado mais recentemente – por exemplo, pela ANTAQ, conforme passamos a expor.
O REIDI foi criado pela Lei nº 11.488/2007, produto da conversão da Medida Provisória nº 351. A referida Lei é regulamentada pelo Decreto nº 6.144/2007, que prevê a possibilidade de enquadramento de empreendimentos de infraestrutura (portos, aeroportos, energia, saneamento etc.) no REIDI. A partir disso, os Ministérios relacionados a esses setores (Ministério da Infraestrutura2, Ministério de Minas e Energia3 e Ministério do Desenvolvimento Regional4, por exemplo) também estabeleceram os respectivos procedimentos para os pedidos de enquadramento.
O REIDI consiste na suspensão da exigibilidade da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS sobre as receitas decorrentes de vendas de máquinas, materiais de construção e serviços destinados a obras de infraestrutura, quando adquiridos por pessoas jurídicas beneficiárias. Trata-se, portanto de uma medida de fomento amparada no art. 174 da Constituição da República.
A criação do REIDI parte da identificação de que o Poder Público não tem condições de – a rigor nem mesmo deve5– realizar diretamente todos os investimentos em infraestrutura no País, sem os quais haveria um entrave ao crescimento econômico. Sendo assim, diante da preferência constitucional a que os investimentos em atividades econômicas em geral sejam realizados pela iniciativa privada (art. 173 da Constituição), considera-se imprescindível que a iniciativa privada invista em empreendimentos de infraestrutura
Nesse sentido, não apenas porque o Estado possui reduzida capacidade de investimentos, mas também porque a norma constitucional estimula a adoção de medidas legais de incentivo aos investimentos pelo setor privado, as regras acerca do REIDI devem ser interpretadas e aplicadas com amparo nesses fundamentos.
Ou seja, os objetivos do REIDI não se restringem a necessariamente viabilizar preços mais baixos aos usuários dos serviços prestados pelo operador econômico. Busca-se incentivar a iniciativa privada a investir em empreendimentos de infraestrutura relevantes ao crescimento da economia nacional.
Em um cenário em que os empreendimentos de infraestrutura não constituem realidade isolada do mundo econômico-empresarial, eles são apenas uma das oportunidades para a execução de atividade lucrativa. Dada a existência de inúmeras opções de investimentos (nos setores público ou privado, ou ainda no exterior), o investidor avalia uma série de fatores, como o risco e o potencial de retorno econômico, a fim de decidir onde aplicará seus recursos. Assim, o REIDI “incentiva o espírito empreendedor”6. Pretende tornar mais atrativos os investimentos em infraestrutura.
Nesse contexto, se algum requisito para enquadramento no REIDI for interpretado de modo a anular, na prática, o benefício fiscal oferecido, o REIDI deixa de fazer sentido ao investidor. Afinal, prefere-se “a exegese de que resulte eficiente a providência legal ou válido o ato, à que torne aquela sem efeito, inócua, ou este, juridicamente nulo”7.
No que interessa à presente análise, o art. 6º, § 1º, do Decreto nº 6.144/2007 definiu o seguinte:
Art. 6º O Ministério responsável pelo setor favorecido deverá definir, em portaria, os projetos que se enquadram nas disposições do art. 5º. § 1º Para efeitos do caput, exclusivamente nos casos de projetos com contratos regulados pelo poder público:
I – os Ministérios deverão analisar se os custos do projeto foram estimados levando-se em conta a suspensão prevista no art. 2º, inclusive para cálculo de preços, tarifas, taxas ou receitas permitidas, sendo inadmissíveis projetos em que não tenha sido considerado o impacto da aplicação do REIDI; e
II – os projetos que tenham contratos anteriores a 22 de janeiro de 2007, data da publicação da Medida Provisória nº 351, de 22 de janeiro de 2007, fixando preços, tarifas, taxas ou receitas permitidas somente poderão ser contemplados no REIDI na hipótese de ser celebrado aditivo contratual incorporando o impacto positivo da aplicação desse regime.
Conforme mencionado anteriormente, em atenção ao caput do art. 6º do Decreto, o antigo Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil (atual Ministério da Infraestrutura), o Ministério de Minas e Energia e o antigo Ministério das Cidades (atual Ministério do Desenvolvimento Regional) definiram os respetivos procedimentos de enquadramento no REIDI por meio de portarias8.
Numa leitura superficial, as normas em questão podem dar a entender que o benefício obtido com o enquadramento no REIDI deveria ser necessariamente repassado às tarifas ou aos preços cobrados pelo empreendedor. No entanto, tal entendimento seria ilógico, além de incompatível com uma análise sistemática das normas que dispõem sobre o REIDI.
Não faz sentido que os benefícios proporcionados pelo REIDI ao empreendimento devam obrigatoriamente ser repassados aos preços cobrados dos usuários. Isso afastaria o interesse nos investimentos, anulando o seu propósito de fomento, uma vez que implicaria na ausência de efetivo retorno decorrente do benefício fiscal ao investidor potencialmente interessado.
Na verdade, não há qualquer determinação legal de “repasse matemático” dos benefícios aos preços e tarifas cobrados nos empreendimentos incentivados, até porque em muitos casos os preços praticados são livres (regime de livre concorrência – como ocorre no setor portuário, por exemplo).
Aliás, os benefícios aos usuários dos serviços devem ser analisados em termos mais amplos do que uma simples redução de preço. O aumento da oferta de serviços e a ampliação da concorrência, decorrentes dos investimentos em infraestrutura, também são benefícios que favorecem diretamente os usuários. O impacto positivo aos usuários dos serviços de infraestrutura – com a redução de preços e tarifas – é um reflexo do incremento da concorrência incentivada pelo REIDI.
A Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, ao analisar pedido de enquadramento de terminal portuário no REIDI, no âmbito de procedimento regido pela Portaria 512/2018 do MTPA, considera justamente esses aspectos. Confira-se, por exemplo, o seguinte despacho da Gerência de Portos Organizados da ANTAQ:
Primeiramente, a ideia de que a consideração dos benefícios fiscais no cálculo dos custos dos projetos irá incentivar a modicidade tarifária não é compatível com o modelo de regulação de terminais portuários, que operam predominantemente em regime de preços livres. Isto é, a habilitação ao REIDI não impacta diretamente no preço dos serviços prestados pelos terminais, que tendem a seguir as práticas de mercado.
Ademais, uma interpretação, a meu ver inadequada, dos normativos que regem a matéria tem levado ao entendimento de que os estudos de viabilidade devem considerar os impactos do benefício nos investimentos para que a arrendatária tenha direito de pleitear a adesão ao regime.
Portanto, para os empreendimentos submetidos à sistemática da liberdade de preços, não há a necessidade de demonstração de que o enquadramento no regime terá impactos diretos em termos de redução dos preços cobrados dos usuários. Se não for esta a interpretação adotada, o REIDI não terá qualquer efeito em termos de incentivo. Isto não significa, porém, que os usuários não serão beneficiados.
_____________________________
1 SCHWIND, Rafael Wallbach. A aplicação do Regime Especial de Incentivo para o Desenvolvimento da Infraestrutura – REIDI aos terminais portuários. In: PEREIRA, Cesar; SCHWIND, Rafael Wallbach (coord.). Direito Portuário Brasileiro. 3.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 93-100.
_____________________________
2 Portaria nº 512/2018 do antigo Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil.
_____________________________
3 Portaria nº 318/2018 do Ministério de Minas e Energia.
_____________________________
4 Portaria nº 772/2014 do antigo Ministério das Cidades.
_____________________________
5 Conforme disposto no art. 173 da Constituição da República, “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”. Ou seja, há uma evidente excepcionalidade da exploração de atividades econômicas diretamente pelo Estado.
_____________________________
6 Ministério do Desenvolvimento Regional, REIDI, disponível em <https://www.gov.br/mdr/ptbr/assuntos/mobilidade-e-servicos-urbanos/reidi>, acesso em 27.7.2021.
_____________________________
7 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, 8.ed., São Paulo, Livraria Freitas Bastas, 1965, p. 179.
_____________________________
8 Ver o art. 6º da Portaria 512/2018 do MTPA; o art. 1º, § 1º, da Portaria nº 318/2018 do MME; e o art. 5º, § 2º, da Portaria nº 772/2014 do MC.