Informativo Eletrônico - Edição 173 - Julho / 2021

REIDI: INCENTIVO AOS INVESTIMENTOS EM INFRAESTRUTURA

Rafael Wallbach Schwind
Victor Hugo Pavoni Vanelli

Uma dúvida recorrente em relação ao Regime Especial de Incentivo  para o Desenvolvimento da Infraestrutura – REIDI consiste em definir se o  benefício obtido pelo empreendedor com base nesse mecanismo de fomento  deve ser repassado às tarifas cobradas dos usuários. 

Conforme será demonstrado, não há lógica em se exigir o repasse  (ainda mais integral) do benefício às tarifas, especialmente em setores de  infraestrutura que envolvem a cobrança de preços livres. Trata-se de  entendimento que defendemos há muito tempo1 e que está sendo aplicado  mais recentemente – por exemplo, pela ANTAQ, conforme passamos a expor. 

O REIDI foi criado pela Lei nº 11.488/2007, produto da conversão da  Medida Provisória nº 351. A referida Lei é regulamentada pelo Decreto nº  6.144/2007, que prevê a possibilidade de enquadramento de empreendimentos  de infraestrutura (portos, aeroportos, energia, saneamento etc.) no REIDI. A  partir disso, os Ministérios relacionados a esses setores (Ministério da  Infraestrutura2, Ministério de Minas e Energia3 e Ministério do Desenvolvimento  Regional4, por exemplo) também estabeleceram os respectivos procedimentos  para os pedidos de enquadramento. 

O REIDI consiste na suspensão da exigibilidade da contribuição para o  PIS/PASEP e da COFINS sobre as receitas decorrentes de vendas de  máquinas, materiais de construção e serviços destinados a obras de  infraestrutura, quando adquiridos por pessoas jurídicas beneficiárias. Trata-se,  portanto de uma medida de fomento amparada no art. 174 da Constituição da  República. 

A criação do REIDI parte da identificação de que o Poder Público não  tem condições de – a rigor nem mesmo deve5– realizar diretamente todos os  investimentos em infraestrutura no País, sem os quais haveria um entrave ao  crescimento econômico. Sendo assim, diante da preferência constitucional a  que os investimentos em atividades econômicas em geral sejam realizados  pela iniciativa privada (art. 173 da Constituição), considera-se imprescindível  que a iniciativa privada invista em empreendimentos de infraestrutura

Nesse sentido, não apenas porque o Estado possui reduzida capacidade  de investimentos, mas também porque a norma constitucional estimula a  adoção de medidas legais de incentivo aos investimentos pelo setor privado, as  regras acerca do REIDI devem ser interpretadas e aplicadas com amparo  nesses fundamentos.

Ou seja, os objetivos do REIDI não se restringem a necessariamente  viabilizar preços mais baixos aos usuários dos serviços prestados pelo  operador econômico. Busca-se incentivar a iniciativa privada a investir em  empreendimentos de infraestrutura relevantes ao crescimento da economia  nacional. 

Em um cenário em que os empreendimentos de infraestrutura não  constituem realidade isolada do mundo econômico-empresarial, eles são  apenas uma das oportunidades para a execução de atividade lucrativa. Dada a  existência de inúmeras opções de investimentos (nos setores público ou  privado, ou ainda no exterior), o investidor avalia uma série de fatores, como o  risco e o potencial de retorno econômico, a fim de decidir onde aplicará seus  recursos. Assim, o REIDI “incentiva o espírito empreendedor”6. Pretende tornar  mais atrativos os investimentos em infraestrutura. 

Nesse contexto, se algum requisito para enquadramento no REIDI for  interpretado de modo a anular, na prática, o benefício fiscal oferecido, o REIDI  deixa de fazer sentido ao investidor. Afinal, prefere-se “a exegese de que  resulte eficiente a providência legal ou válido o ato, à que torne aquela sem  efeito, inócua, ou este, juridicamente nulo”7

No que interessa à presente análise, o art. 6º, § 1º, do Decreto nº  6.144/2007 definiu o seguinte:

Art. 6º O Ministério responsável pelo setor favorecido deverá definir,  em portaria, os projetos que se enquadram nas disposições do art.  5º.  § 1º Para efeitos do caput, exclusivamente nos casos de projetos  com contratos regulados pelo poder público: 
I – os Ministérios deverão analisar se os custos do projeto foram  estimados levando-se em conta a suspensão prevista no art. 2º,  inclusive para cálculo de preços, tarifas, taxas ou receitas  permitidas, sendo inadmissíveis projetos em que não tenha sido  considerado o impacto da aplicação do REIDI; e  
II – os projetos que tenham contratos anteriores a 22 de janeiro de  2007, data da publicação da Medida Provisória nº 351, de 22 de  janeiro de 2007, fixando preços, tarifas, taxas ou receitas permitidas  somente poderão ser contemplados no REIDI na hipótese de ser  celebrado aditivo contratual incorporando o impacto positivo da  aplicação desse regime. 

Conforme mencionado anteriormente, em atenção ao caput do art. 6º do  Decreto, o antigo Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil (atual  Ministério da Infraestrutura), o Ministério de Minas e Energia e o antigo  Ministério das Cidades (atual Ministério do Desenvolvimento Regional)  definiram os respetivos procedimentos de enquadramento no REIDI por meio  de portarias8

Numa leitura superficial, as normas em questão podem dar a entender  que o benefício obtido com o enquadramento no REIDI deveria ser  necessariamente repassado às tarifas ou aos preços cobrados pelo  empreendedor. No entanto, tal entendimento seria ilógico, além de  incompatível com uma análise sistemática das normas que dispõem sobre o  REIDI. 

Não faz sentido que os benefícios proporcionados pelo REIDI ao  empreendimento devam obrigatoriamente ser repassados aos preços cobrados  dos usuários. Isso afastaria o interesse nos investimentos, anulando o seu  propósito de fomento, uma vez que implicaria na ausência de efetivo retorno  decorrente do benefício fiscal ao investidor potencialmente interessado.

Na verdade, não há qualquer determinação legal de “repasse  matemático” dos benefícios aos preços e tarifas cobrados nos  empreendimentos incentivados, até porque em muitos casos os preços  praticados são livres (regime de livre concorrência – como ocorre no setor  portuário, por exemplo).  

Aliás, os benefícios aos usuários dos serviços devem ser analisados em  termos mais amplos do que uma simples redução de preço. O aumento da  oferta de serviços e a ampliação da concorrência, decorrentes dos  investimentos em infraestrutura, também são benefícios que favorecem  diretamente os usuários. O impacto positivo aos usuários dos serviços de  infraestrutura – com a redução de preços e tarifas – é um reflexo do incremento da concorrência incentivada pelo REIDI.

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, ao analisar  pedido de enquadramento de terminal portuário no REIDI, no âmbito de  procedimento regido pela Portaria 512/2018 do MTPA, considera justamente  esses aspectos. Confira-se, por exemplo, o seguinte despacho da Gerência de  Portos Organizados da ANTAQ:

Primeiramente, a ideia de que a consideração dos benefícios fiscais  no cálculo dos custos dos projetos irá incentivar a modicidade  tarifária não é compatível com o modelo de regulação de terminais  portuários, que operam predominantemente em regime de preços  livres. Isto é, a habilitação ao REIDI não impacta diretamente no  preço dos serviços prestados pelos terminais, que tendem a seguir  as práticas de mercado.
Ademais, uma interpretação, a meu ver inadequada, dos normativos  que regem a matéria tem levado ao entendimento de que os estudos de viabilidade devem considerar os impactos do benefício nos  investimentos para que a arrendatária tenha direito de pleitear a  adesão ao regime.

Portanto, para os empreendimentos submetidos à sistemática da  liberdade de preços, não há a necessidade de demonstração de que o  enquadramento no regime terá impactos diretos em termos de redução dos  preços cobrados dos usuários. Se não for esta a interpretação adotada, o  REIDI não terá qualquer efeito em termos de incentivo. Isto não significa,  porém, que os usuários não serão beneficiados. 

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1 SCHWIND, Rafael Wallbach. A aplicação do Regime Especial de Incentivo para o  Desenvolvimento da Infraestrutura – REIDI aos terminais portuários. In: PEREIRA, Cesar;  SCHWIND, Rafael Wallbach (coord.). Direito Portuário Brasileiro. 3.ed. Belo Horizonte: Fórum,  2020, p. 93-100.

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2 Portaria nº 512/2018 do antigo Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil.

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3 Portaria nº 318/2018 do Ministério de Minas e Energia.

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4 Portaria nº 772/2014 do antigo Ministério das Cidades.

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5 Conforme disposto no art. 173 da Constituição da República, “Ressalvados os casos previstos  nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida  quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”.  Ou seja, há uma evidente excepcionalidade da exploração de atividades econômicas diretamente pelo Estado. 

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6 Ministério do Desenvolvimento Regional, REIDI, disponível em <https://www.gov.br/mdr/ptbr/assuntos/mobilidade-e-servicos-urbanos/reidi>, acesso em 27.7.2021.

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7 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, 8.ed., São Paulo, Livraria Freitas  Bastas, 1965, p. 179. 

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8 Ver o art. 6º da Portaria 512/2018 do MTPA; o art. 1º, § 1º, da Portaria nº 318/2018 do MME;  e o art. 5º, § 2º, da Portaria nº 772/2014 do MC.

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Rafael Wallbach Schwind
Rafael Wallbach Schwind
Doutor e Mestre em Direito do Estado pela USP. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Victor Hugo Pavoni Vanelli
Victor Hugo Pavoni Vanelli
Pós-graduado em Direito pelo Instituto Bacellar. Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Rafael Wallbach Schwind
Rafael Wallbach Schwind
Doutor e Mestre em Direito do Estado pela USP. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Victor Hugo Pavoni Vanelli
Victor Hugo Pavoni Vanelli
Pós-graduado em Direito pelo Instituto Bacellar. Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.