Informativo Eletrônico - Edição 217 - Março / 2025

MEIOS ADEQUADOS DE PREVENÇÃO E SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO PROJETO DE LEI GERAL DE CONCESSÕES (PL 7.063/2017)

Arthur Gressler Wontroba
Eduardo Haas Blume

1. O Projeto de Lei 7.063/2017 

O Projeto de Lei 7.063/2017 representa um dos potenciais marcos legislativos de maior relevância no direito administrativo brasileiro, uma vez que, caso aprovado, substituirá a Lei de Concessões (Lei 8.987/1995) e a Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei 11.079/2004).

O projeto possuía o objetivo original de apenas alterar a Lei de PPPs para reduzir o valor mínimo dos contratos de parcerias público-privadas celebrados por Estados, pelo Distrito Federal e por Municípios. Contudo, avançou com uma finalidade muito mais ambiciosa: abranger tanto as concessões comuns quanto as PPPs (renomeadas como concessões em parceria no projeto) em um único diploma legal¹.

Atualmente, o projeto conta com mais de 200 artigos, consolidando disposições previstas na Lei de Concessões, na Lei de Parcerias Público-Privadas e em outros diplomas normativos, como a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/2021). Ademais, introduz inovações significativas, influenciadas pela consolidação jurisprudencial e pelos entendimentos predominantes na doutrina administrativista.

Dentre as diversas inovações trazidas pelo projeto, pode-se citar a inclusão do “acordo tripartite”², previsões sobre a responsabilização de eventuais financiadores por dano ambiental, a possibilidade da “concessão por adesão” e “colação”, entre outros.

O presente artigo, porém, destina-se a uma breve exposição da nova disciplina que o projeto dispôs em relação aos meios alternativos (ou adequados) de prevenção e resolução de controvérsias. De forma mais específica, busca examinar do regramento atinente à arbitragem e aos comitês de prevenção e resolução de disputas (dispute boards).

2. Meios adequados de resolução de litígios no PL 7.063/2017

O PL 7.063/2017 trata dos “meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias” em seu capítulo XIX, dos arts. 173 a 183.

O art. 173 prevê a utilização dos meios alternativos, mencionando expressamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem, em linha com o que já se encontra no art. 23-A da Lei de Concessões, no art. 11, III, da Lei de Parcerias Público-Privadas (PPPs) e no art. 151 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

Sua maior inovação está no §1º, que permite o aditamento contratual para viabilizar o uso desses meios, conforme previsto no art. 153 da Lei 14.133/2021. Já o §2º esclarece que o aditamento é possível mesmo diante da existência de ação judicial proposta por quaisquer das partes, reiterando o disposto no art. 6º, §3º, do Decreto 10.025/2019, que trata da arbitragem envolvendo a Administração Pública federal nos setores portuário e de transporte rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário.

O art. 174 exige a formalização, por meio de ato devidamente motivado, quando a escolha do conciliador, mediador, árbitro, câmara ou membro do comitê de dispute board couber ao Poder Concedente. Complementarmente, o art. 175 determina a aplicação das regras de impedimento e suspeição do Código de Processo Civil aos árbitros e membros do comitê de dispute board. De certa forma, trata-se de uma disposição dispensável, já que a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996), aplicável às arbitragens domésticas do Brasil, estabelece exigência idêntica em seu art. 14.

2.1. Arbitragem

A arbitragem é “meio adequado de solução de controvérsias segundo o qual uma ou mais pessoas recebem poderes de uma convenção privada para decidir, com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial”³.

O PL possui disciplina específica sobre o assunto nos arts. 176 a 178.

O art. 176 apresenta um rol exemplificativo de controvérsias que poderão ser submetidas à arbitragem: (i) inadimplemento contratual; (ii) reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, (iii) interpretação das regras de distribuição de riscos; (iv) eventuais indenizações; e (v) rescisão do contrato por iniciativa da concessionária, no caso de descumprimento das normas contratuais pelo poder concedente, mediante ação judicial ou processo arbitral (nos termos do art. 152 do PL).

A natureza exemplificativa do rol decorre, tanto da utilização do verbo “poderão” no parágrafo único do dispositivo, quanto da regra geral prevista no art. 1º, §1º, da Lei de Arbitragem, que reconhece a ampla liberdade da Administração Pública para submeter controvérsias à via arbitral.

Já o art. 177 cita alguns requisitos a serem seguidos pelo procedimento arbitral, tais como a utilização obrigatória da arbitragem de direito e a observância do princípio da publicidade (conforme o art. 2°, §3° da Lei de Arbitragem), a necessária sede no Brasil, o desenvolvimento em língua portuguesa (consoante o que prevê o art. 23-A da Lei de Concessões e art. 11, III da Lei de PPPs) e a aplicação da legislação brasileira, com sentença proferida também no Brasil.

O referido artigo trata ainda da possibilidade de antecipação das despesas do procedimento por uma das partes (inciso V), bem como da responsabilidade de cada parte pelos seus próprios honorários (dos advogados, eventuais assistentes técnicos ou outros profissionais habilitados para a defesa perante o juízo arbitral), independentemente do desfecho da controvérsia (inciso VI).

Por fim, o art. 178 trata de maneira particular sobre a sentença arbitral que julgar pedido de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Em seus incisos, apresenta os mecanismos por meio dos quais o reequilíbrio poderá ser concretizado (desde que admitidos no contrato de concessão): pagamento de uma parte para outra; ajuste da tarifa, preço público ou contraprestação pecuniária cobrada do usuário; prorrogação ou redução do prazo da concessão; ajuste de obrigação contratuais das partes ou eventuais outras formas que vierem a ser contratualmente estabelecidas por elas. 

2.2. Comitê de Prevenção e Resolução de Disputas

Os comitês de prevenção e resolução de disputas (dispute boards) “consistem em um comitê de especialistas previsto contratualmente que acompanha a execução do contrato desde o seu início e até o seu final, em regra. Possuem competência para examinar e decidir sobre incertezas, dúvidas e controvérsias relativas à prestação contratual”⁴.

O PL disciplina os comitês de prevenção e resolução de disputas nos arts. 179 a 183.

Trata-se de instituto quevem sendo gradativamente incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, ainda que de forma incipiente.

O art. 151 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos já previa a adoção de comitês de resolução de disputas para tratar de controvérsias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, envolvendo questões atinentes ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento de obrigações contratuais por qualquer das partes e ao cálculo de indenizações (nos termos do parágrafo único do referido dispositivo).

Mais recentemente, o art. 26-A da Resolução ANTT 5.845/2019, com redação dada pela Resolução 6.040/2024, passou a estabelecere que os comitês poderão deliberar sobre: (i) a execução de serviços e obras, inclusive quanto à adoção de soluções de engenharia mais adequadas aos objetivos contratuais, e seus respectivos orçamentos; (ii) a conformidade das obras e serviços com os parâmetros contratuais e regulatórios, e seus orçamentos; (iii) a avaliação de ativos e o cálculo de indenizações; e (iv) a ocorrência de eventos que impactem o cumprimento das obrigações contratuais, incluindo a mensuração dos efeitos financeiros desses eventos.

Já o art. 179 do PL limitou-se a dispor, genericamente, que os contratos poderão prever a instituição de comitês de prevenção e solução de controvérsias de natureza técnica ou econômico-financeira (caput), cuja constituição poderá ser feita ad hoc ou de forma permanente, alternativa ou cumulativamente (§ 1º).

Quanto às despesas relacionadas à instalação, o § 2º do art. 179 consigna que o custeio ou rateio dos respectivos valores será estabelecido contratualmente. Nesse sentido, poderá haver disposição no sentido de que as custas serão antecipadas integralmente pela concessionária ou rateadas entre as partes, sendo admitido o ressarcimento mediante reequilíbrio econômico-financeiro ou pagamento direto pelo Poder Concedente.

Os comitês deverão ser compostos por, no mínimo, três membros com conhecimento técnico sobre o objeto do contrato, sendo admitida a indicação de pessoa com conhecimento jurídico para atuar como membro ou secretário (art. 180, caput). Os integrantes devem manter relação de confiança com as partes, cabendo ao contrato estabelecer as regras para a escolha desses profissionais, que deverão atuar com independência, imparcialidade, competência e diligência no desempenho de suas funções (art. 180, parágrafo único).

Sobre os impedimentos referentes aos integrantes do comitê, o art. 181 prevê que não poderão ser nomeadas pessoas que tenham relação que caracterize os casos de impedimento ou suspeição de juízes dispostos no Código de Processo Civil.

O art. 182, por sua vez, indica que o comitê poderá ter natureza (i) revisora; (ii) adjudicatória; ou (iii) híbrida. No primeiro caso, as recomendações emitidas não vinculam as partes; no segundo, gera-se obrigação imediata de cumprimento da decisão do comitê pelas partes enquanto não provier entendimento diverso advindo de processo judicial ou arbitral; no terceiro, as partes podem definir quais decisões terão caráter revisor e quais serão adjudicatórias, a depender da natureza da questão examinada. 

Por fim, o art. 183 estabelece que as decisões proferidas pelo comitê constituem título executivo extrajudicial, de modo que sua desconstituição somente poderá ocorrer pelo Poder Judiciário ou em sede de arbitragem, respeitados os prazos prescricionais e decadenciais previstos em lei.

3. Conclusão

Sem a pretensão de exaurir o enfrentamento do tema, é possível verificar que o objetivo do PL 7.063/2017, no sentido de promover a unificação e a sistematização de normas atualmente dispersas é, de fato, cumprido.

As disposições relativas aos meios adequados de resolução de litígios refletem com clareza esse propósito central da proposta legislativa, ao consolidar em um único diploma tais previsões.

No que se refere à arbitragem, a maioria das previsões do projeto já encontra respaldo, direto ou indireto, na Lei de Arbitragem, bem como na prática consolidada dos procedimentos arbitrais envolvendo a Administração Pública. Quanto aos dispute boards — mecanismo mais recente no ordenamento jurídico brasileiro e ainda carente de regulamentação por lei federal —, observa-se que normas semelhantes já foram incorporadas pela Lei de Licitações e Contratos Administrativos, além de constarem em legislações estaduais e municipais (como é o caso, por exemplo, da Lei Municipal 16.873/2018, do Município de São Paulo).

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¹ FORTINI, Cristiana. LEÔNCIO, Mayana. SIMIONATO, Caroline. VIEIRA, Cynthia. Concessão por Adesão e a Proposta de Alteração Legislativa. Revista de Direito Administrativo, Infraestrutura, Regulação e Compliance. n. 27. ano 7. p. 357-367. São Paulo: Ed. RT, out./dez. 2023. p. 357.

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² TARUF, Diego Valois. PELLEGRINI, Guilherme Martins. Projeto da lei de concessões: notas sobre o Acordo Tripartite. JOTA. 2020. Disponível em: https://www.jota.info/artigos/projeto-da-lei-de-concessoes-notas-sobre-o-acordo-tripartite. Acesso em: 30.01.2025.

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³ CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei 9.307/96. 4 ed. Barueri [SP]: Atlas, 2023. p. 29.

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ROCHA NETO, Edson Francisco. Dispute Boards: aspectos processuais. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024. p. 49

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Arthur Gressler Wontroba
Arthur Gressler Wontroba
Graduado em Direito pela UFPR. Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Eduardo Haas Blume
Graduando em Direito UFPR. Estagiário da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Arthur Gressler Wontroba
Arthur Gressler Wontroba
Graduado em Direito pela UFPR. Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Eduardo Haas Blume
Graduando em Direito UFPR. Estagiário da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
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