1. Introdução
O ordenamento brasileiro prevê três hipóteses de garantias aplicáveis aos processos de contratação pública: (i) a garantia de proposta, (ii) a garantia de execução contratual e (iii) a garantia do objeto.
Enquanto a Lei 8.666/93 enquadrava a garantia prestada durante o certame como requisito de qualificação econômico-financeira (art. 31, inc. III), a Lei 14.133/21 passou a prever a garantia de proposta como um requisito de “pré-habilitação” (art. 58).
Ainda, o regramento da garantia de execução contratual foi ampliado pela Lei 14.133/21 (arts. 96-102 e 121, §3º, inc. I), que também passou a prever expressamente a garantia quinquenal mínima para obras (art. 140, § 6º).
Apesar de possuírem a mesma denominação, essas três hipóteses de garantia não se confundem. São aplicadas para fins diversos e em diferentes momentos do processo de contratação.
2. Garantia de proposta
Requisito de qualificação econômico-financeira no âmbito da Lei 8.666/93 (art. 31, inc. III)¹, a garantia de proposta teve sua previsão vedada para os pregões lançados sob o regime da Lei 10.520/02 (art. 5º, inc. I).
Na Lei 14.133/21, não há vedação à utilização da garantia de proposta em pregões.
Além disso, a garantia de proposta passou a ser prevista como requisito de “pré-habilitação” – figura anômala e até então desconhecida. Na prática, trata-se de requisito de participação do certame, com a pretensão de assegurar que o licitante atue de modo sério e comprometido.²
Independentemente do regime legal, a previsão de garantia de proposta é incompatível com o art. 37, inc. XXI, da CF/88 – que limita as regras do instrumento convocatório aos critérios efetivamente “indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.
A exigência de garantia de proposta viola a competitividade e a proporcionalidade, obrigando os licitantes a incorrerem em custos somente para viabilizar sua participação no certame. Com isso, tende a reduzir indevidamente o universo de competidores e a aumentar os custos indiretos da contratação.³
3. Garantia de execução
A garantia de execução contratual visa a resguardar a Administração de danos decorrentes de eventual inadimplemento do contratado. Constitui-se em uma relação jurídica acessória, cujo objetivo é assegurar uma satisfação mais segura e rápida de eventual crédito não espontaneamente satisfeito pelo devedor (contratado).
Quando exigida, a garantia de execução contratual deve estar expressamente prevista em edital, proporcionando ao licitante o conhecimento prévio da totalidade das obrigações e dos custos que lhe serão atribuídos.
A critério da Administração, a garantia de execução contratual poderá ser exigida nas contratações em que for entendida como indispensável. Nesses casos, será requisitada apenas do licitante vencedor do certame, na fase de assinatura do contrato (art. 96, caput e § 3º, da Lei 14.133/21).
Em conformidade com a previsão editalícia, nos termos do art. 96, § 1º, da Lei 14.133/21, caberá ao adjudicatário/contratado a escolha por uma das quatro modalidades de garantia contratual: (i) a caução real (em dinheiro ou em títulos da dívida pública – art. 96, § 1º, inc. I); (ii) o seguro-garantia (inc. II – leia mais); (iii) a fiança bancária (inc. III) ; e (iv) o título de capitalização (inc. IV).
Em comparação à Lei 8.666/93, a Lei 14.133/21 passou a prever um regramento específico para o seguro-garantia (art. 97), a admitir garantia com cobertura para verbas rescisórias inadimplidas em contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra (art. 121, § 3º, inc. I), e a prever o título de capitalização como nova espécie de garantia (art. 96, § 1º, inc. IV).
4. Garantia do objeto
A responsabilidade do contratado pela obra ou pelos serviços executados, mesmo após o recebimento do objeto contratual, também é usualmente denominada garantia. Pode ser encontrada em editais e termos contratuais como garantia do objeto, e não se confunde com as hipóteses de garantias anteriores tratadas.
O art. 73, § 2º, da Lei 8.666/93 já previa a responsabilidade do contratado por obra ou serviço executados, após o recebimento do objeto contratual, dentro dos limites da lei e do contrato.
A mesma regra é prevista no art. 140, § 2º, da Lei 14.133/21. Além disso, uma das principais novidades da Lei 14.133/21 foi a incorporação do prazo de garantia mínimo de cinco anos para obras públicas (art. 140, § 6º – leia mais).
No caso de obras públicas, a garantia do objeto impõe a responsabilidade objetiva do contratado pela solidez e pela segurança dos materiais e serviços executados, bem como pela funcionalidade da obra. Implica o dever de reparar, corrigir, reconstruir ou substituir quaisquer vícios, defeitos ou incorreções identificadas nesse período – salvo em razão de alguma causa excludente (p.ex., caso fortuito, força maior, ou fato exclusivo de terceiros).
5. Considerações finais
A análise das hipóteses de garantias previstas na Lei 14.133/21 é relevante e fundamental para esclarecer suas diferentes naturezas e finalidades.
Em síntese, a garantia de proposta é entendida como um requisito de participação no certame, com o objetivo de tentar neutralizar eventuais efeitos nocivos decorrentes da admissão de propostas de licitantes de histórico desconhecido. Sua exigência pode ser considerada inconstitucional em razão de seu potencial de restringir indevidamente o universo de competidores.
A garantia de execução contratual poderá ser exigida do licitante vencedor, na fase de assinatura do contrato, mediante prévia disposição em edital. Constitui-se em uma relação jurídica acessória que tem por objetivo assegurar uma satisfação mais segura e rápida de eventual crédito não espontaneamente satisfeito pelo devedor (contratado).
Por fim, a garantia do objeto implica a responsabilidade do contratado por obra ou serviço executados, após o recebimento do objeto contratual, nos limites da lei e do contrato. Nesse contexto, o prazo mínimo de garantia para obras públicas é de cinco anos (art. 140, § 6º, da Lei 14.133/21).
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¹ Para Marçal Justen Filho, a “exigência de garantia atinente à participação na licitação não se configura como um requisito de habilitação, eis que não evidencia a titularidade de condições para executar o objeto licitado” (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei 8.666/1993. 18. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 809).
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² JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023. p. 732.
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³ Nesse sentido: JUSTEN NETO, Marçal. A habilitação na Lei 14.133/2021. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n. 174, dezembro de 2021, disponível em https://justen.com.br/artigo_pdf/a-habilitacao-na-lei-14-133-2021/.