Informativo Eletrônico - Edição 220 - Junho / 2025

MP 1.300/2025: é preciso respeitar os contratos

Gabriel Richer Oliveira Evangelista

1. Introdução

A Medida Provisória 1.300/2025 introduziu alterações relevantes em diversas leis estruturantes do setor elétrico brasileiro. 

Tais alterações, dotadas de força de lei, impõem a necessidade de análise criteriosa de seus impactos no ambiente jurídico-regulatório e, fundamentalmente, nas relações contratuais preexistentes. 

2. A segurança jurídica e os contratos legados no setor elétrico

O setor elétrico, por sua natureza intensiva em capital e de investimentos de longo prazo, exige ambiente de segurança jurídica e previsibilidade regulatória. 

Nesse contexto, a forma como as novas regras interagem com os arranjos e contratos preexistentes (também conhecidos como “contratos legados”) é de fundamental importância. 

3. As mudanças introduzidas pela MP

A MP em questão introduziu mudanças que afetam diretamente direitos e obrigações derivados de regimes anteriores, notadamente no que tange aos descontos em encargos e à caracterização e tratamento dos autoprodutores. 

3.1. A questão dos descontos na TUST e TUSD de fontes incentivadas

Um ponto central de atenção reside nas disposições relativas aos descontos nas Tarifas de Uso dos Sistema Elétricos de Transmissão (TUST) e de Distribuição (TUSD) de fontes incentivadas. 

A MP estabelece que tais descontos, incidentes no consumo de energia elétrica, serão aplicados exclusivamente até a data de término do contrato de compra e venda de energia elétrica registrado e validado na Câmara de Comercialização de Energia – CCEE. 

Além disso, a aplicação desses descontos fica limitada aos respectivos montantes de energia elétrica registrados e validados pelas partes perante a CCEE até 31 de dezembro de 2025. 

É necessário observar também que, para fins de aplicação dos descontos e apuração de desvios, os montantes de energia elétrica registrados e validados na forma mencionada não poderão ser alterados após 31 de dezembro de 2025. 

3.1.1. As outras hipóteses de vedação de incidência dos descontos

Além da hipótese trazida anteriormente, a MP veda os descontos em outras situações, como na transferência de titularidade, na prorrogação do contrato, em cláusulas de duração indeterminada e em contratos não registrados/validados na CCEE ou registrados após 31 de dezembro de 2025. 

Também é vedado o desconto em contratos sem definição do montante de energia a ser comercializado, mesmo que registrados e validados.  

A CCEE, nesse cenário, assume a responsabilidade de apurar anualmente os desvios entre os montantes registrados e os efetivamente realizados, sujeitando as partes a encargo extraordinário, a ser revertido à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).  

Em caso de indícios de fraude ou simulação para obtenção dos descontos, a CCEE deverá dar ciência à ANEEL para apuração de responsabilidade e aplicação de sanções. 

3.1.2. O impacto nos contratos de longo prazo

Essas disposições impactam direta e significativamente os contrato de longo prazo firmados sob a égide da regulamentação anterior, que previa tais descontos. 

A limitação temporal estrita (31 de dezembro de 2025) e a proibição de alteração dos montantes registrados após essa data, representam violação à expectativa legítima dos agentes que estruturaram seus negócios e contratos com base na manutenção desses benefícios ao longo da vigência contratual original. 

Os princípios do respeito aos contratos e à segurança jurídica exigem que alterações regulatórias não afetem desproporcionalmente investimentos realizados com base em normas preexistentes.¹ 

Portanto, a transição regulatória deverá equilibrar a modernização normativa e a proteção de direitos adquiridos. As alterações precisam incluir mecanismos que mitiguem os efeitos sobre os contratos vigentes, preservando a segurança jurídica e as expectativas legítimas dos envolvidos. 

4. A questão da equiparação do autoprodutor de energia

Outro ponto relevante que toca a questão dos “legados” diz respeito à figura do autoprodutor de energia elétrica.

A MP redefine ou, mais precisamente, estabelece critérios para equiparação a autoprodutor, considerando, além da titularidade da outorga para produção por conta e risco, a demanda contratada agregada e a participação societária direta ou indireta na sociedade titular da outorga.

4.1. O endereçamento da MP para situações preexistentes 

A MP, contudo, busca endereçar as situações preexistentes nessa situação. O § 5º do art. 16-A, introduzido pelo normativo, determina que os requisitos de demanda e participação social definidos nos §§ 1º e 4º  do mesmo artigo não se aplicam aos consumidores equiparados a autoprodutor anteriormente à data de publicação da MP 1.300. 

Essa dispensa vale até o término da vigência da outorga do empreendimento de geração e enquanto perdurarem os fatos geradores que fundamentam a equiparação. 

Contudo, essa manutenção da equiparação anterior está sujeita a condições, como: (i) ter sido equiparado à autoprodução com contratos registrados na CCEE anteriormente a 21 de maio de 2025; (ii) integrar o grupo econômico que detenha 100% das ações da pessoa jurídica titular da outorga; e (iii) no prazo de 60 dias contados da publicação da MP, submeter à CCEE, para fins de comprovação, contratos de compra e venda ou opção de compra de ações/quotas, com firma reconhecida ou certificado digital. 

Para essa última hipótese (submissão em 60 dias), há requisitos adicionais: o empreendimento de geração não pode ter entrado em operação comercial antes de 15 de junho 2007, e a transferência de ações/quotas devem ser concluídas em até vinte e quatro meses da celebração dos contratos, com a devida comprovação da CCEE. 

4.1.1. A complexidade para manutenção da situação preexistente

A MP é clara ao estabelecer que, após sessenta dias de sua publicação, novos arranjos de autoprodução, inclusive por equiparação, somente poderão ser realizados com empreendimento cuja operação comercial seja iniciada após a data da publicação da MP 1.300. 

Essa regras indicam a intenção de preservar, ainda que com condições e prazos, algumas situações de autoprodução já estabelecidas. 

No entanto, a complexidade das exigências para a manutenção do status quo daqueles que optarem pela comprovação em 60 dias, especialmente com a limitação da data de início da operação comercial do empreendimento, gera incertezas e dificuldades operacionais para os agentes. 

A necessidade de adaptação a novos critérios e a comprovação de requisitos em prazos definidos pela MP, mesmo para situações preexistentes, ressaltam o impacto dessa mudança regulatória no setor. 

5. Outros temas controversos trazidos na MP 

A MP também trata de outros temas com potencial impacto contratual, como a vedação de repactuação de risco hidrológico após doze meses de sua publicação e a criação de mecanismo concorrencial centralizado pela CCEE para negociação de montantes financeiros não pagos no mercado de curto prazo decorrentes de ações judiciais relacionadas a riscos hidrológicos no MRE. 

Esse mecanismo prevê a necessidade de desistência de ações judiciais e renúncia ao direitos nela fundados para que os montantes sejam elegíveis à negociação. 

Em suma, a MP 1.300 promove uma série de alterações que revisitam regras aplicáveis a situações jurídicas e contratuais já consolidadas no setor elétrico. 

Embora haja medidas que busquem endereçar e, em certa medida, preservar arranjos preexistentes, como no caso da equiparação de autoprodutores, as novas regras para os descontos tarifários e os prazos e condições impostos irão gerar impactos regulatórios e financeiros significativos sobre os contratos e investimentos de longo prazo. 

6. Conclusão: a necessidade de respeito aos contratos

No cenário brasileiro, a estabilidade das regras e a proteção às expectativas legítimas criadas sob regimes anteriores são fundamentais para atrair investimentos e manter o regular funcionamento de setores estratégicos, como o de energia elétrica. 

A forma como as transições serão geridas, os prazos concedidos para adaptação e a clareza na definição dos direitos e obrigações pós-MP serão determinantes para a segurança jurídica e a confiança dos agentes no mercado. 

É imperativo que as emendas parlamentares à MP² e a regulamentação da ANEEL e do Poder Concedente, referida em diversos dispositivos do normativo, pautem-se pela razoabilidade, proporcionalidade e, acima de tudo, pelo respeito aos contratos validamente firmados e às expectativas neles fundados, buscando minimizar os efeitos disruptivos das novas regras sobre o arcabouço negocial existente. 

Nessa conjuntura, a estabilidade contratual apresenta-se não como um fim em sim mesma, mas como um meio essencial para garantir a eficiência e o desenvolvimento do setor elétrico em benefício da sociedade. 

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¹ Sobre o tema, confira-se: Daniel Bogéa. Segurança Jurídica e Investimentos em Infraestrutura. Interesse Nacional, São Paulo, ano 9, n. 35, p. 36-102, out./dez. 2016.

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² São mais de 600 emendas propostas. Sobre o assunto, confira-se: <https://www.canalenergia.com.br/noticias/53312374/mp-1300-recebe-600-emendas-de parlamentares>.

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Gabriel Richer Oliveira Evangelista
Gabriel Richer Oliveira Evangelista
Pós-graduando em Direito de Energia (ESMAFE/PR). Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Gabriel Richer Oliveira Evangelista
Gabriel Richer Oliveira Evangelista
Pós-graduando em Direito de Energia (ESMAFE/PR). Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
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