Informativo Eletrônico - Edição 221 - Julho / 2025

O PIX como infraestrutura pública digital: uma abordagem essencial

André Guskow Cardoso

O anúncio de que o Brasil seria objeto de imposição de tarifas comerciais por parte do governo norte-americano veio acompanhado de algumas justificativas, cuja existência e relação com a possibilidade de imposição de tarifas comerciais foi objeto de amplas críticas, no Brasil e no exterior. Uma dessas justificativas ganhou destaque e vem gerando intenso debate, também no campo político. Trata-se da indicação de que o PIX, sistema de pagamentos instantâneo desenvolvido e implementado pelo Banco Central, estabeleceria condições desiguais de competição com grandes provedores de serviços de pagamentos e cartões de crédito (grande parte deles com sede e origem nos Estados Unidos).

Não há dúvida a respeito da relevância que o PIX assumiu no dia a dia de milhões de brasileiros. Trata-se de iniciativa pioneira e inovadora do Banco Central brasileiro, reconhecida no mundo inteiro. Segundo informações do próprio Banco Central, o PIX atualmente é utilizado por mais de 160 milhões de pessoas e empresas diariamente.¹

Mas uma questão que passou despercebida do debate surgido com a imposição de tarifas comerciais ao Brasil é o fato de que o PIX constitui verdadeira infraestrutura pública digital (IPD). Esse é um aspecto essencial a ser considerado nas discussões, porque orienta o enfoque jurídico e mesmo a aplicação das regras de comércio internacional.

A noção de infraestrutura pública digital é um conceito conhecido e consagrado. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, define as infraestruturas públicas digitais como “Um conjunto de sistemas digitais compartilhados, seguros e interoperáveis, construídos com base em padrões e especificações abertos, destinados a oferecer e garantir acesso equitativo a serviços públicos e/ou privados em escala social”². 

Ou seja, ao lado das infraestruturas tradicionais, físicas, como rodovias, pontes, túneis, portos, há infraestruturas digitais que podem e devem ser desenvolvidas pelos governos. Nada há de irregular nisso. Conforme ressaltam Mariana Mazzucato, David Eaves e Beatriz Vasconcellos, “Construir uma infraestrutura digital gerida pelo poder público pode permitir que os Estados desenvolvam capacidades essenciais para gerir uma sociedade do século XXI (como, por exemplo, a administração de identidade, pagamentos e intercâmbio de dados)”³.

Como já mencionado pelo autor, as infraestruturas públicas digitais fornecem uma base para o desenvolvimento de outros sistemas e tecnologias que podem ser utilizados tanto pelo setor privado quanto pelo setor público⁴.

O PIX é um exemplo típico de infraestrutura pública digital que instituiu um sistema de pagamentos instantâneos de massa que vem sendo utilizado por milhões de brasileiros. 

Constitui também verdadeiro exemplo de infraestrutura que consagra a noção de governo como plataforma, conceito cunhado por Tim O’Reilly em 2009, e que pressupõe que os governos podem servir como plataformas para que o setor privado desenvolva serviços e estruturas a serem utilizados pela população em geral⁵. Nesse sentido, é também compatível com o estabelecido pela Lei do Governo Digital (Lei 14.129/2021), que estabelece o princípio do governo como plataforma, definindo este como “infraestrutura tecnológica que facilite o uso de dados de acesso público e promova a interação entre diversos agentes, de forma segura, eficiente e responsável, para estímulo à inovação, à exploração de atividade econômica e à prestação de serviços à população” (art. 4º, inc. VII).

Portanto, qualquer discussão a respeito do PIX e de sua relação com outros serviços de pagamento deve considerar esses aspectos. O Brasil tem normas específicas que estabelecem o dever de o governo adotar medidas e iniciativas para estabelecer infraestrutura pública digital, colocando o governo como plataforma para incentivar e fomentar atividades e serviços públicos e privados. Há iniciativas e recomendações de entidades multilaterais de direito internacional que também incentivam o desenvolvimento de infraestruturas públicas digitais pelos estados nacionais.

A despeito de ser um aspecto que não pode ser desconsiderado no exame de qualquer discussão relacionada à instituição do PIX, isso tem sido ignorado. Portanto, tanto o caráter de infraestrutura pública digital como o fato de o PIX consagrar a noção de governo como plataforma são essenciais para qualquer avaliação que se pretenda a fazer a respeito desse sistema público de pagamentos instantâneos. 

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¹  Fonte: Bacen: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/estatisticaspix

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² United Nations Development Programme. The DPI Approach. A playbook, p. 6, 2023. Disponível em https://www.undp.org/sites/g/files/zskgke326/files/2023-08/undp-the-dpi-approach-a-playbook.pdf. Acesso em 26/7/2025.

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³  Mazzucato, M., Eaves, D., and Vasconcellos, B. (2024). Digital public infrastructure and public value: What is ‘public’ about DPI? UCL Institute for Innovation and Public Purpose, Working Paper Series (IIPP WP 2024-05). Disponível em: https://www.ucl.ac.uk/bartlett/public-purpose/wp2024-05

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⁴ CARDOSO, André Guskow. Digital Government, Public Procurement, and Contracting in Brazil: A Technological Perspective on Procurement Law. Public Procurement Law Review, n. 34,  2, 2025, p. 147. 

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⁵  Tim O’Reilly; Government as a Platform. Innovations: Technology, Governance, Globalization 2011; 6 (1): 13–40. Disponível em https://doi.org/10.1162/INOV_a_00056


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André Guskow Cardoso
André Guskow Cardoso
Mestre em Direito do Estado pela USP. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
André Guskow Cardoso
André Guskow Cardoso
Mestre em Direito do Estado pela USP. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
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