Informativo Eletrônico - Edição 204 - Fevereiro / 2024

REGULAMENTAÇÃO DA ANÁLISE DE IMPACTO REGULATÓRIO (AIR): O ART. 21 DO DECRETO 10.441/2020 E O DEVIDO PROCESSO LEGAL

Gabriel Richer Oliveira Evangelista

1. Introdução

Em 2020, foi publicado o Decreto 10.411, que regulamentou a Análise de Impacto Regulatório (adiante referida como “AIR”) no âmbito da Administração Pública Federal. A AIR está prevista originalmente na Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) e na Lei das Agências Reguladoras (Lei 13.848/2019).

Os diplomas legais citados estabeleceram a necessidade de AIR para a edição e a alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados na Administração Pública Federal. Nesses casos, a AIR deverá conter as informações e dados sobre possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade de seu impacto econômico. 

2. As hipóteses de obrigatoriedade e dispensa de AIR

O Decreto 10.411/2020 prevê os casos de obrigatoriedade e dispensa da AIR (arts. 3º e 4°). Em princípio, o rol é taxativo e não exemplificativo. Imagina-se que o intuito foi evitar possíveis interpretações discricionárias na aplicação da legislação.

No entanto, deve-se reputar que os casos de obrigatoriedade da AIR devem ser respeitados, sem que isso impeça a sua exigência em outras hipóteses – quando tal se evidenciar como pressuposto inafastável do processo decisório.

3. A obrigatoriedade de AIR

O art. 21 determina que “a inobservância ao disposto neste Decreto não constitui escusa válida para o descumprimento da norma editada e nem acarreta a invalidade da norma editada”.

A leitura conjugada do referido dispositivo com aqueles supracitados deixa dúvida quanto à validade de norma regulatória editada sem AIR, especificamente nos casos em que estiver prevista a sua obrigatoriedade.

Ora, a AIR não é um procedimento de observância facultativa. A sua observância não se constitui em uma mera recomendação, destituídas de força cogente e cuja ausência de observância seja irrelevante.¹

As Leis da Liberdade Econômica e das Agências Reguladoras, em determinação imperativa, prescreveram que as propostas de edição e alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos e usuários públicos serão precedidas de análise de impacto regulatório. A disciplina por meio de regulamento não compreende a autorização para tornar facultativa a sua adoção.²

4. Invalidade do art. 21 do Regulamento

A previsão do art. 21 de que a ausência de realização da AIR “nem acarreta a invalidade da norma editada” não se coaduna com o ordenamento jurídico. Infringe a legalidade. É incompatível com a observância do devido processo legal.

4.1. A relevância da AIR

A Análise de Impacto Regulatório se constitui em instrumento fundamental para o processo regulatório. A sua relevância vem sendo reconhecida especialmente em vista do método pragmático de interpretação e de aplicação do direito público.³

O método pragmático consagra o consequencialismo. Isso exige que a autoridade pública atue de modo previdente. É indispensável formular projeções quanto aos reflexos das diversas alternativas decisórias. Somente será válida a escolha compatível com a solução mais adequada e necessária para o atingimento dos fins que norteiam a competência exercitada.

Sem uma AIR, é inviável a Administração adotar uma decisão informada sobre o tema sob sua avaliação.

Dito de outro modo, a ausência da AIR configura exercício defeituoso da competência regulatória. Produz decisão destituída da motivação necessária e incompatível com a finalidade que justifica a própria atribuição de competência da autoridade estatal. Envolve uma modalidade de exercício abusivo da competência regulatória, violando a dimensão técnica inerente à competência de uma agência reguladora.

4.2 A exigência constitucional da AIR

A realização da AIR se constitui, portanto, em imposição extraída diretamente da própria Constituição. Trata-se, em princípio, de uma decorrência do próprio modelo republicano. Se todo poder estatal somente é exercitável para a realização do bem comum e para o atingimento dos fins que justificam a própria existência do Estado, é vedado adotar decisão fundada apenas em cogitações subjetivas da autoridade.

A Constituição impõe, inclusive ao consagrar a exigência do devido processo administrativo, a adoção de decisões fundadas no conhecimento técnico-científico. Nesse sentido, aliás, manifestou-se o STF em diversas oportunidades:

2. Decisões administrativas relacionadas à proteção à vida, à saúde e ao meio ambiente devem observar standards, normas e critérios científicos e técnicos, tal como estabelecidos por organizações e entidades internacional e nacionalmente reconhecidas. Precedentes: ADI 4066, Rel. Min. Rosa Weber, j. 24.08.2017; e RE 627189, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 08.06.2016. No mesmo sentido, a Lei n.º 13.979/2020 (art. 3°, § 1°), que dispôs sobre as medidas para o enfrentamento da pandemia de COVID19, norma já aprovada pelo Congresso Nacional, previu que as medidas de combate à pandemia devem ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde’ […].⁴

4.3 A previsão legislativa

Embora nem fosse necessário, a Lei previu a obrigatoriedade da produção de uma AIR sempre que a decisão regulatória for potencialmente apta a afetar de modo relevantes os interesses coletivos ou individuais.

Logo, a ausência de observância dessa determinação acarreta a invalidade do ato concreto.

5. Conclusão

A previsão de que a inobservância ao disposto neste Decreto (…) não acarreta a invalidade da norma editada”, contida no art. 21 do Regulamento, configura-se como inválida.

A norma legal, ao dispor sobre as hipóteses de obrigatoriedade, institui uma competência vinculada. Ou seja, que não está sujeita à discricionariedade do gestor.

A realização da AIR não se constitui em uma faculdade disponível, a ser observada apenas nas hipóteses em que a Administração reputar conveniente ou oportuno. A inexistência de Análise de Impacto Regulatório, nas hipóteses em que a decisão adotada for apta a impactar interesses coletivos ou individuais, constitui em defeito insanável e insuperável.⁵

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¹ PINHEIRO, Victor Marcel. Análise de impacto regulatório é facultativa para administração pública federal? Devido processo normativo e o art. 21 do Decreto 10.411/2020. Disponível em: <https://www.jota.info/tributos-e-empresas/regulacao/analise-de-impacto-regulatorio-e-facultativa-para-a-administracao-publica-federal-27082020> Acesso em: fev/2024.

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² MORAES, Danilo Guerreiro. Parâmetros para o controle da função normativa das agências reguladoras pelo poder judiciário. Dissertação (Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Direito do Estado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2020. Orientador: Rodrigo Pagani de Souza, p. 161.

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³ Sobre o tema, confira-se exposição de Marçal Justen Filho em Curso de Direito Administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 9.

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⁴ ADI 6.425/DF MC, Pleno, rel. Min. Roberto Barroso, j. 21.05.2020.

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⁵ JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 522.

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Gabriel Richer Oliveira Evangelista
Pós-graduando em Direito de Energia (ESMAFE/PR). Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Gabriel Richer Oliveira Evangelista
Pós-graduando em Direito de Energia (ESMAFE/PR). Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.