Sumário: 1. Introdução; 2. Ressalva quanto à limitação do objeto do texto; 3. O entendimento da ANEEL quanto ao prazo prescricional; 4. A pertinência da aplicação do prazo prescricional quinquenal; 5. Conclusão.
1. Introdução
Recentemente, a Agência Nacional de Energia Elétrica negou provimento ao recurso administrativo de uma distribuidora de energia e glosou valores referentes a investimentos (Despacho 582/2025; Processo 48500.902844/2023-85, Diretor Relator Ricardo Lavorato Tili, j. 11.03.2025).
O voto do Diretor Relator concluiu que “não ocorreu a prescrição da pretensão ressarcitória”, com fundamento em parecer jurídico que destacou o “entendimento sedimentado” da Procuradoria Federal acerca do prazo de dez anos para a ANEEL fiscalizar a aplicação adequada de recursos direcionados a P&D e eficiência energética (Nota Jurídica 001/2025/PFANEEL/PGF/AGU).
Também é sedimentado o entendimento da ANEEL acerca da aplicação do prazo prescricional decenal do Código Civil (art. 205) às demais determinações ressarcitórias em face dos agentes setoriais. Como demonstram os pareceres jurídicos dos últimos anos, a Procuradoria Federal restringe a aplicação do prazo quinquenal às hipóteses de pretensão punitiva da ANEEL, posição que vem sendo acatada pela Diretoria.
ALINE ZAED DE AMORIM e VLÁDIA VIANA REGIS fizeram pesquisa exaustiva na base de dados da ANEEL, selecionando pareceres de fevereiro de 2022 até fevereiro de 2024 (Prescrição da pretensão de ressarcimento em face de agentes do setor de energia elétrica: a visão da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). In: JUSTEN, Monica Spezia; PEREIRA, Cesar; JUSTEN NETO, Marçal; JUSTEN, Lucas Spezia (Coord.). Uma visão humanista do Direito: homenagem ao Professor Marçal Justen Filho, vol. 3. Belo Horizonte: Fórum, 2025).
Considerando a jurisprudência mais recente do STF, assim como a competência fiscalizatória e o exercício do poder de polícia pela ANEEL, o presente artigo examinará brevemente a possibilidade de aplicação do prazo prescricional quinquenal previsto no artigo 1º da Lei 9.873/1999 a tais situações e, consequentemente, de revisão do entendimento atualmente predominante no âmbito da Agência.
2. Ressalva quanto à limitação do objeto do texto
Não é objeto deste artigo verificar se a competência fiscalizatória da ANEEL, premissa para as determinações de ressarcimento, se sujeita ao regime da decadência ou da prescrição, tal como proposto recentemente por MARÇAL JUSTEN FILHO e ISABELLA FONSECA em relação às competências do TCU.
Segundo os autores, “a prescrição não incide quando se cogita do exercício de competência estatal-administrativa ou de natureza equivalente. Trata-se sempre de decadência, se e enquanto não se verificar a necessidade de intervenção jurisdicional para o desempenho das funções jurídicas constitucionalmente ou legalmente atribuídas ao órgão estatal” (O regime extintivo de direitos no Tribunal de Contas da União (TCU). In: BOTELHO, Ana Cristina Melo de Pontes; BRITO, Thiago da Cunha. Prescrição nos Tribunais de Contas. Belo Horizonte: Del Rey, 2025, p. 33).
Essa mesma lógica poderia levar à conclusão de que o direito (ou o poder-dever) da ANEEL de determinar aos agentes fiscalizados o ressarcimento ao erário se sujeitaria à decadência.
Contudo, e ainda que possa haver consequências práticas derivadas dessa interpretação (prazo improrrogável, incidência de causas suspensivas ou interruptivas etc.), a reflexão do presente artigo limita-se ao prazo considerado pela ANEEL para a extinção do direito e/ou da pretensão ressarcitória em face dos agentes regulados.
3. O entendimento da ANEEL quanto ao prazo prescricional
Como demonstram os pareceres jurídicos da Procuradoria Federal dos últimos anos, a ANEEL tem utilizado a regra geral do art. 205 do Código Civil, segundo a qual “a prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”, para definição do prazo prescricional aplicável em procedimentos administrativos nos quais busca ressarcimento ao erário em face dos agentes setoriais.
O Acórdão 61/2019-Plenário representou continuidade deste entendimento do TCU, reafirmado em enunciado decorrente do julgamento que:
O principal argumento para esse entendimento é a inexistência de norma específica para as situações analisadas. É o que se verifica, por exemplo, naqueles casos relativos a desconto aplicado à Receita Anual Permitida (RAP) de contratos de transmissão (Parecer 294/2016/PFANEEL/PGF/AGU), na revisão do Custo Variável Unitário (CVU) relativo ao preço de venda de energia de Usina Termoelétrica em Contrato de Compra e Venda de Energia no Ambiente Regulado (CCEAR) (Parecer 159/2023/PFANEEL/PGF/AGU) e na devolução de encargos sociais (Parecer 075/2023/PFANEEL/PGF/AGU e Despacho 393/2023/PFANEEL/PGF/AGU).
4. A pertinência da aplicação do prazo prescricional quinquenal
A orientação mais recente do STF, objeto do Tema de Repercussão Geral 899, adotada em casos de ressarcimento ao erário proveniente de decisões do TCU, entretanto, aplica analogicamente o artigo 1º da Lei 9.873/1999, segundo o qual “prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor”.
Em decorrência da natureza de direito público da relação jurídica estabelecida entre o ente público com a competência para o exercício da fiscalização e o agente econômico sobre o qual a fiscalização é exercida, o STF entendeu que a integração normativa, mesmo para as ações de ressarcimento, deve ser feita com as regras de direito público, pois a pretensão do TCU tem fundamento no exercício do seu poder de polícia (STF, ADI 5.509/CE, Rel. Min. Edson Fachin, j. 22.02.2022).
Em que pese a decisão ter sido proferida em caso concreto envolvendo o TCU, a situação é igualmente observada em outros cenários e hipóteses em que a administração pública exerce fiscalização em face de agente econômico, como é o caso da atuação da ANEEL para com os agentes do setor elétrico.
O exercício do poder de polícia pela Agência se configura independentemente da natureza jurídica do objeto fiscalizado, como no caso citado da aplicação de recursos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e eficiência energética (EE), ou da relação privada estabelecida entre os agentes.
Dito de outro modo, qualquer que seja a origem do objeto específico da fiscalização implementada, ainda que se constitua como elemento de natureza privada, tal circunstância não é capaz de descaracterizar a natureza de direito público da fiscalização exercida pela ANEEL. Isso impõe que a integração normativa seja realizada com normas pertinentes de direito público, e não com outras aplicáveis às relações de direito privado, como é o caso do Código Civil.
Como já decidido pelo STF: “Embora se trate, aqui, de pretensão de ressarcimento ao erário, e não de imposição de sanções, a referida lei [a Lei 9.873/1999] representa a regulamentação mais adequada a ser aplicada por analogia, tendo em vista a autonomia científica do direito administrativo e a inexistência de razão plausível para o suprimento de possível omissão com recurso a normas do direito civil” (EDcl no MS 36.780/DF, Rel. Min. Luis Roberto Barroso, j. 04.04.2022).
Desse modo, as premissas adotadas pelo STF para concluir que a integração normativa nas ações ressarcitórias envolvendo fiscalizações do TCU deve ser feita com as regras de direito público estão igualmente presentes nas situações envolvendo a ANEEL e seus agentes regulados.
5. Conclusão
Portanto, considerando a jurisprudência mais recente do STF, é pertinente a revisão do entendimento da ANEEL quanto ao prazo prescricional para as determinações de ressarcimento, aplicando-se, por analogia, o prazo prescricional quinquenal da Lei 9.873/1999 (artigo 1º). Tal como ocorre com o TCU, as determinações de ressarcimento da ANEEL têm origem na sua competência fiscalizatória e no seu exercício do poder de polícia. Assim, a integração normativa deve ser feita com as regras de direito público, e não de direito privado.
_____________________________
¹ A referência a “prazo prescricional” ao longo do texto se justifica pelos termos usados nos pareceres jurídicos da Procuradoria Federal junto à ANEEL e pela limitação do objeto do artigo.

