A NOVA LEI DE LICITAÇÕES E A TRAMITAÇÃO PRIORITÁRIA DE CONTROVÉRSIAS SOBRE LICITAÇÕES

1.  Introdução

O art. 177 da Lei 14.133 alterou o Código de Processo Civil (Lei 13.105)  para estabelecer a tramitação prioritária dos processos cuja controvérsia resida  na aplicação de normas gerais sobre licitação.

O objetivo do dispositivo é óbvio: impedir que o imenso volume de  trabalho do judiciário prejudique a celeridade na resolução de conflitos e  produza consequências indesejáveis nas contratações administrativas.

Contudo, a redação do art. 177 da Lei 14.133 é confusa e demanda  reflexão detalhada sobre a aplicação da regra.

2. Celeridade processual e contratações públicas

A falta de celeridade na solução de conflitos envolvendo licitações  compromete significativamente a execução do contrato. Dados do CNJ revelam  que o tempo médio de tramitação dos processos judiciais é de três anos, no  mínimo.1 

No contexto de uma contratação pública, essa morosidade pode  acarretar consequências indesejáveis, obrigando a Administração a adotar  providências extraordinárias, como a realização de contratação emergencial, ou até mesmo a prorrogação de contratação inconveniente.

Daí a inovação contida na Lei 14.133, ora comentada.

3. A regra estabelecida pela Lei 14.133

O art. 177 da Lei 14.133 amplia o rol de prioridades previsto no CPC,  estabelecendo que as controvérsias sobre aplicação de normas gerais, em  licitação ou contratos administrativos, gozarão de tramitação prioritária.

Para tanto, acrescentou o inciso IV ao art. 1.048 do CPC, com o  seguinte teor:

Art. 1.048. Terão prioridade de tramitação, em qualquer juízo ou tribunal, os  procedimentos judiciais: 

(…)  

IV – em que se discuta a aplicação do disposto nas normas gerais de licitação e  contratação a que se refere o inciso XXVII do caput do art. 22 da Constituição Federal.  

A redação não é clara. Remete ao dispositivo constitucional que define a  competência legislativa da União para estabelecer normas gerais sobre  licitação (art. 22, inc. XXVII, da CF).  

Assim, é necessário que a questão controvertida contemple a aplicação  de normas gerais. Por sua vez, o conceito de norma geral é indeterminado e  sempre demandará análise do caso concreto. 

Marçal Justen Filho esclarece que não existem critérios abstratos e  gerais bastantes e suficientes para diferenciar normas gerais e não gerais.  Segundo o autor, existem alguns temas que geralmente são identificados como  de alcance geral, sendo eles: i) requisitos de validade da contratação  administrativa; ii) hipóteses de obrigatoriedade (ou dispensa) da licitação; iii) requisitos de participação em licitação; iv) modalidades; v) tipos de licitação ou vi) regime jurídico da contratação administrativa.2

A prévia identificação dos valores jurídicos envolvidos na controvérsia  será crucial para atribuir prioridade na tramitação. Caso a demanda verse  sobre questões meramente regulamentares e sem alcance geral, a regra da prioridade não se aplica.

4. A presença da Administração Pública no processo 

A tramitação prioritária não depende da presença da Administração  Pública em um dos polos do processo.

Litígios entre particulares também podem demandar a tramitação  prioritária, desde que o conteúdo da controvérsia contemple a aplicação do art.  1.048 do CPC.

5. Aplicação da prioridade além da Lei 14.133

É desnecessário que a controvérsia envolva previsão específica da Lei 14.133. Conforme já aponta a doutrina especializada, a tramitação prioritária  alcança “qualquer disputa relacionada com as leis nacionais de licitação e  contratação administrativa3.

Assim, controvérsias sobre normas gerais da Lei 13.303, que disciplina  as contratações administrativas no âmbito das empresas estatais, também  gozarão de tramitação prioritária.

6. A prioridade na tramitação dos processos administrativos 

Embora a Lei 14.133 tenha tratado expressamente de processos  judiciais, é cabível aplicar a tramitação prioritária aos processos  administrativos.

A morosidade na tramitação não é característica exclusiva dos processos judiciais. No âmbito administrativo esse problema também é latente,  seja pela falta de pessoal frente ao volume de trabalho, seja pelo desrespeito à  ordem cronológica de conclusão.4 

Como o objetivo da Lei 14.133 é impedir que externalidades interfiram  na eficiência da contratação, seria ilógico restringir o privilégio de tramitação  aos processos judicias.

Não obstante, o CPC também é aplicável subsidiariamente aos processos administrativos (art. 15 do CPC). Por isso, a doutrina tem concluído  que o rol de prioridade estabelecido no art. 1.048 do CPC

 “incide também nos processos e procedimentos administrativos junto a órgãos públicos da administração direta (União, Estados Distrito Federal e Municípios) e indireta  (autarquias, empresas públicas, sociedade de economia mista e fundações  públicas)5.

7. A Lei 14.133 e a agilização de procedimental da Administração

A Lei 14.133 buscou minimizar o impacto de externalidades  procedimentais na execução do contrato. Além da tramitação prioritária, foram  previstos mecanismos para agilizar a análise de licenciamento ambiental  pertinente a obras públicas e de pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro. 

O art. 25, § 6º, da Lei 14.1336, estabeleceu que os pedidos de licença  ambiental, solicitados a propósito de uma contratação pública de obras ou serviços de engenharia, gozarão de tramitação prioritária perante o órgão  ambiental competente.

A morosidade na obtenção de licenças ambientais é um dos fatores  responsáveis pelo insucesso de grande parte dos empreendimentos do país.

A licença ambiental decorre de um procedimento complexo, que articula  múltiplos atores e envolve profissionais com expertises distintas. A dinâmica  procedimental ainda pode ser alterada caso haja a necessidade de consulta  prévia de povos originários atingidos (art. 17 da Convenção 169 da OIT) ou exista requerimento de audiência pública (art. 2º da Resolução nº 9, de 03 de dezembro de 1987). 

 Portanto o art. 25, § 6º, da Lei 14.133 atribuirá maior eficiência nas contratações administrativas que dependam de licença. 

Outro avanço da Lei 14.133 foi a fixação do prazo de um mês para a  Administração decidir sobre o pleito de reequilíbrio formulado pelo contratado  (art. 123, par. único). Agora, a Administração observará um prazo adequado  para responder sobre o cabimento do pelito de reequilíbrio – evitando que a  ausência de resposta seja um ônus adicional à contratação e enseje medidas  judiciais para provocar a decisão. 

8. Conclusão

A Lei 14.133 trouxe mecanismos para impedir que a morosidade do aparato estatal prejudique as contratações públicas.

Para tanto, foi estabelecida a i) prioridade de tramitação de processos  cuja controvérsia envolva normas gerais sobre licitação, ii) prioridade na obtenção de licença ambiental e iii) previsão de prazo para resposta sobre  pleito de reequilíbrio. 

Tais mecanismos avançam em relação à legislação anterior, que era  omissa sobre esses temas. Contudo, a efetividade desse mecanismo depende da assimilação, pela rotina administrativa, de que processos relativos a  contratações públicas são prioritários e devem ser conduzidos sob um dever de diligência extraordinário, caracterizado pela celeridade. 

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1 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Anuário justiça em números 202, p.217. Disponível  em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/relatorio-justica-em-numeros2021- 12.pdf. Acesso em: 06 out. 2022.

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2 MARÇAL JUSTEN FILHO. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 18 ed.  São Paulo: RT, 2019, p. 19. 

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3 MARÇAL JUSTEN FILHO. Comentários à lei de licitações e contratações administrativos: Lei  14.133. São Paulo: RT, 2021, p. 1.721.

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4 EGON BOCKMAN MOREIRA. O novo Código de Processo Civil e sua aplicação no processo  administrativo. In: RDA, v. 273, p. 313-334, set./dez. 2016, p. 326.

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5 NELSON NERY JUNIOR, ROSA MARIA DE ANDRADE NERY. Código de Processo Civil  Comentado. 16 ed. São Paulo: RT, 2016, p. 2.416 

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6 Art. 25. (…). § 6º Os licenciamentos ambientais de obras e serviços de engenharia licitados e  contratados nos termos desta Lei terão prioridade de tramitação nos órgãos e entidades  integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e deverão ser orientados pelos  princípios da celeridade, da cooperação, da economicidade e da eficiência.