Informativo Eletrônico - Edição 221 - Julho / 2025

MP 1.304/2025: A DEFINIÇÃO DE UM TETO PARA A CONTA DE DESENVOLVIMENTO ENERGÉTICO (CDE)

Paola Gabriel Ábila
Gabriel Richer Oliveira Evangelista

1. O atual momento normativo do setor elétrico

O Setor Elétrico Brasileiro (SEB) é dinâmico, especialmente no tocante à sua normatização. Nesse contexto, tramitam duas medidas provisórias no Congresso Nacional (MP 1.300/2025¹ e MP 1.304/2025) que, se aprovadas, produzirão alterações significativas na disciplina normativa estruturante do setor. 

2. A MP 1.304/2025

A MP 1.304/2025, publicada em 11.07.2025, introduz, entre outras inovações, novas regras relacionadas à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e institui o Encargo de Complemento de Recursos (ECR).

A exposição de motivos da MP esclarece que a proposta “consiste na fixação de um valor nominal teto, com base no orçamento da CDE para o ano de 2026, limitando o repasse às tarifas, e na criação de encargo específico para que eventuais excedentes sejam pagos pelos beneficiários da própria CDE que não estejam diretamente relacionados a políticas sociais prioritárias” (confira aqui).

2.1. As alterações introduzidas 

O art. 1º da MP introduz alterações significativas na Lei 10.438/2022, que trata da CDE, além de outros temas. Essencialmente, esse dispositivo adiciona o art. 13-A à referida Lei, estabelecendo um novo mecanismo para custeio e reequilíbrio da CDE. 

O novo artigo dispõe que o valor total dos recursos arrecadados através das quotas anuais pagas à CDE por todos os agentes que comercializem energia com consumidores finais (art. 13, §1º, inc. I, da Lei 10.438/2002) será limitado ao valor nominal total das despesas definidas no orçamento da CDE para o ano de 2026.

Na hipótese de insuficiência de recursos para custeio da CDE, a MP 1.304/2025 institui o ECR. 

2.1.1. A figura do ECR

A finalidade do ECR, portanto, é realizar o aporte complementar necessário para o reequilíbrio da CDE, garantindo que não haja déficits e que o limite estabelecido não seja ultrapassado.

O ECR será alocado entre os “agentes beneficiários” da CDE, na proporção dos benefícios por eles auferidos. 

Excetuam-se da contribuição ao ECR os “agentes beneficiários” de despesas relacionadas: (i) à universalização do serviço de energia elétrica; (ii) à subvenção econômica para modicidade tarifária de consumidores finais da subclasse Residencial Baixa Renda; (iii) à Conta de Consumo de Combustíveis (CCC); (iv) à administração da CDE, da CCC e da Reserva Global de Reversão (RGR) pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE); e (v) ao reembolso das concessionárias de distribuição de locais não interligados ao SIN em 9 de dezembro 2009 (art. 4º-A da Lei 12.111/2009).

O pagamento do ECR será escalonado: 50% do total em 2027 e 100% do total em 2028. Em 2027, a diferença entre o valor total do ECR e o percentual arrecadado será redistribuída à CDE. 

2.1.2. A vigência dessa alteração 

Diferentemente dos demais dispositivos da MP 1.304, que entram em vigor no momento da publicação da MP (11.07.25), as disposições que tratam da CDE e do ECR (art. 1º) entram em vigor apenas a partir de 1º de janeiro de 2026. 

3. A Regulamentação do MME e da ANEEL 

Caso a MP 1.304/2025 seja aprovada, o Ministério de Minas e Energia (MME) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) precisarão emitir regulamentos específicos para detalhar a metodologia de cálculo do ECR, a forma de cobrança, os critérios para proporção do benefício auferido por cada agente beneficiário e os procedimentos para a definição do orçamento da CDE em 2026 e nos anos seguintes. 

A definição dos sujeitos enquadrados no conceito de “agente beneficiário” também será essencial para o deslinde de diversas questões jurídicas e regulatórias (confira aqui a notícia sobre o tema).

A ANEEL já tem a atribuição de regulamentar diversos aspectos da CDE, incluindo as quotas anuais.

3.1. A necessidade de observância do devido processo regulatório

Esse processo regulamentar exigirá estreita coordenação entre o MME e a ANEEL para garantir coerência entre as diretrizes políticas e a implementação técnica, envolvendo consultas públicas amplas junto aos agentes setoriais. 

A complexidade técnica da regulamentação demandará atenção especial aos impactos tarifários e à harmonização com os demais encargos existentes, assegurando a entrada em vigor do ECR sem comprometer a segurança jurídica do setor. 

3.2. Ponto crucial:  a exigência de AIR

A regulamentação do art. 1º da MP 1.304/2025 também exigirá a realização da análise de impacto regulatório (AIR), prevista no art. 5º da Lei 13.874/2019 (Lei de Liberdade Econômica) e no art. 6º da Lei 13.848/2019 (Lei das Agências Reguladoras) e regulamentada pelo Decreto 10.411/2020.

A realização de AIR permitirá avaliar os efeitos da criação do ECR no setor elétrico e verificar a razoabilidade do impacto causado, subsidiando tecnicamente a tomada de decisão. 

4. A segurança jurídica e a irretroatividade da lei posterior

A obrigação de pagamento do ECR, instituída pela MP 1.304/2025, somente poderá ser atribuída aos agentes cujos benefícios forem concedidos após a entrada em vigor da referida MP.

Esse entendimento decorre da tutela constitucional à segurança jurídica e ao princípio da irretroatividade da lei posterior (art. 5º, XXXVI, da CF/88). 

Embora não existam óbices à alteração de regime jurídico, as situações já consolidadas devem ser integralmente respeitadas, preservando-se os direitos adquiridos e as expetativas legítimas dos agentes setoriais. 

5. Conclusão 

A MP 1.304/2025 introduz substancial modificação no regime de financiamento da CDE, instituindo um teto nominal às quotas tradicionais e criando o ECR como mecanismo complementar. 

A medida busca conciliar sustentabilidade fiscal e proteção a políticas sociais essenciais, redistribuindo o custo dos excedentes aos beneficiários não prioritários. 

Contudo, a eficácia da nova sistemática condiciona-se à observância estrita do devido processo regulatório, com realização de adequada AIR e participação democrática na fase de regulamentação. 

Impõem-se, ainda, harmonização entre MME e ANEEL para assegurar coerência normativa e evitar insegurança jurídica. 

Por fim, a constitucionalidade da medida exige sua aplicação prospectiva, sem atingir direitos adquiridos ou situações consolidadas. Somente assim se preservará a legitimidade da reforma e a confiança dos agentes no sistema jurídico, em conformidade com os princípios da segurança jurídica e da irretroatividade da lei posterior.  

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¹  Para mais informações sobre a MP 1.300/2025, veja o artigo de Gabriel Richer Oliveira Evangelista, publicado na edição nº 220 (junho/2025) deste Informativo.

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Paola Gabriel Ábila
Paola Gabriel Ábila
Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Gabriel Richer Oliveira Evangelista
Gabriel Richer Oliveira Evangelista
Pós-graduando em Direito de Energia (ESMAFE/PR). Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Paola Gabriel Ábila
Paola Gabriel Ábila
Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Gabriel Richer Oliveira Evangelista
Gabriel Richer Oliveira Evangelista
Pós-graduando em Direito de Energia (ESMAFE/PR). Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
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