1. Introdução
A evolução das normas licitatórias brasileiras trouxe mecanismos para aprimorar a eficiência dos contratos administrativos. A remuneração variável e os contratos de eficiência são dois instrumentos que buscam vincular os pagamentos à performance do contratado, estimulando maior compromisso com resultados efetivos para a Administração Pública.
A Lei 14.133/2021 (Lei Geral de Licitações) apresenta previsões para esses modelos. Antes dela, a Lei 12.462/2011, que dispunha sobre o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) e teve os arts. 1º a 47 revogados pela Lei 14.133/2021, já tratava do assunto.
Neste artigo, pretende-se fazer uma análise das regras vigentes a respeito da remuneração variável e dos contratos de eficiência a partir da óptica da evolução ocorrida entre a Lei do RDC e a atual Lei Geral de Licitações.
2. Remuneração variável
Nas palavras do Professor Marçal Justen Filho “A contratação com remuneração variável consiste numa avença em que o particular assume a obrigação de executar prestação definida segundo parâmetros mínimos de qualidade, com a possibilidade de variação da remuneração em vista da execução de objeto dotado de atributos mais vantajosos do que os previstos originalmente”.¹
Essa remuneração adicional não deve ser vista como prejuízo ao interesse público, mas como contrapartida pelo risco assumido pelo contratado. Desde que respeitados os limites orçamentários e haja critérios objetivos, claros e relevantes previamente definidos em edital e contrato, a adoção desse regime contribui para a obtenção de resultados superiores sem comprometer a legalidade ou a eficiência da contratação.² A Lei 14.133/2021 consolida e aprofunda esse modelo no art. 144.
Vale destacar que a remuneração variável não é compatível com qualquer contrato administrativo, dependendo dos interesses administrativos a serem satisfeitos.³
2.1. As previsões da Lei 12.462/2011 (RDC)
A Lei 12.462/2011 instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) com o objetivo de promover maior eficiência nas contratações e obter resultados mais vantajosos para a Administração Pública. Nesse contexto, o art. 10 introduziu a possibilidade de remuneração variável vinculada ao desempenho do contratado.
A remuneração variável permite o pagamento de valores adicionais caso sejam atingidos metas e padrões de qualidade definidos previamente no edital e no contrato, configurando uma lógica similar à das sanções premiais.⁴
Trata-se de uma sistemática contratual baseada no risco, em que a remuneração adicional só é devida se os resultados previamente estabelecidos para este fim forem efetivamente alcançados. A adoção dessa modalidade exige motivação expressa, critérios objetivos bem definidos e observância dos limites orçamentários estabelecidos, reafirmando o compromisso com a responsabilidade fiscal.
No entanto, apesar da flexibilidade do RDC, o regime não exigia à época a apresentação de uma matriz de riscos detalhada nem previa critérios uniformes para medir o impacto econômico da remuneração variável, o que poderia gerar insegurança jurídica na sua aplicação prática. Ainda assim, a inovação representou um avanço ao admitir mecanismos que premiam o desempenho acima do mínimo exigido, como práticas sustentáveis e antecipação de entregas.⁵
2.2. As previsões da Lei 14.133/2021
A Lei 14.133/2021 ampliou e estruturou o uso da remuneração variável, autorizando sua aplicação em contratos de obras, serviços e fornecimentos, inclusive de engenharia, desde que prevista no edital e vinculada a metas, qualidade, sustentabilidade e prazos. Conforme Marçal Justen Filho, trata-se de um instrumento da função promocional do Direito, que recompensa desempenhos superiores ao mínimo exigido, desde que gerem benefícios concretos à Administração.⁶
Esse modelo configura um pacto complementar, no qual o contratado cumpre o mínimo previsto, mas pode receber remuneração adicional ao superar padrões estabelecidos. A lógica combina obrigações de meio e de resultado, operando como sanção positiva, ao incentivar condutas desejáveis por meio de prêmios, e não de punições.
Em síntese, a remuneração variável torna-se ferramenta relevante de gestão pública orientada à eficiência, inovação e excelência contratual.
3. Contratos de eficiência
Os contratos de eficiência são uma modalidade contratual voltada à redução de despesas da Administração Pública por meio de medidas de racionalização e inovação.
O contratado é remunerado com base na economia efetivamente gerada, assumindo o risco do insucesso. Trata-se, assim, de uma contratação por resultado, que exige planejamento, parâmetros comparativos e critérios objetivos para mensurar a economia obtida.
3.1. Previsões da Lei 12.462/2011 (RDC)
Os contratos de eficiência, previstos no art. 23 da Lei 12.462/2011 (RDC), consistiam em instrumentos contratuais nos quais o particular assumia a obrigação de gerar economia nas despesas correntes da Administração Pública, sendo sua remuneração vinculada a um percentual da economia efetivamente obtida. Diferenciavam-se da remuneração variável do art. 10 da mesma lei, pois nos contratos de eficiência o cumprimento da meta de economia constituía obrigação contratual: o não atingimento podia resultar em desconto, multa ou sanção por inexecução. A proposta do contratado deveria incluir plano de trabalho e preço, sendo o critério de julgamento o maior retorno econômico, obtido da combinação entre o valor economizado e o percentual de remuneração oferecido.
A lei exigia a definição clara da despesa corrente de referência para cálculo da economia gerada e admitia a adoção de escalas percentuais progressivas, premiando desempenhos superiores. Ainda que o dispositivo legal seja genérico quanto ao momento de aferição da economia, recomenda-se que edital e contrato o definam expressamente. O contrato de eficiência deveria sempre respeitar a legalidade e a moralidade administrativa, vedando propostas que, embora econômicas, fossem baseadas em práticas irregulares. Em caso de descumprimento, o contratado poderia sofrer sanções que variavam conforme o grau de diferença entre a economia prometida e a efetivamente obtida.
3.2. Previsões da Lei 14.133/2021
A Lei 14.133/2021 reafirma e amplia a aplicação dos contratos de eficiência, tratando deles em dispositivos como os arts. 6º, LIII, 39, e 110. Trata-se de contrato bilateral com obrigação de resultado e no qual o contratado deve gerar economia real para a Administração, comportando a remuneração variável inclusive.
A lei exige parâmetros objetivos de mensuração e metas mínimas de economia, com previsão de sanções em caso de descumprimento. Os prazos variam de até 10 anos (sem investimento) a 35 anos (com benfeitorias permanentes).
A Lei 14.133/2021 ainda introduz mecanismos como o critério do maior retorno econômico e a matriz de riscos, reforçando a segurança jurídica e o foco em resultados. Nos contratos de eficiência, por exemplo, o pagamento está atrelado à economia gerada, com previsão de sanções se as metas não forem atingidas.
A IN SEGES/ME nº 96/2022 detalha regras sobre propostas, julgamento e forma eletrônica. Em 2023, o ICS – Instituto Curitiba de Saúde realizou a primeira licitação com esse modelo, obtendo economia de 11,33% com a implantação de uma usina solar.⁷
4. Comparação entre os Modelos da Lei 12.462/2011 e da Lei 14.133/2021
Embora tanto o RDC quanto a Lei 14.133/2021 adotem lógica de remuneração similar, a principal distinção reside na maior abrangência e regulamentação trazida pela Lei 14.133/2021. Diferente do RDC, que tratava a remuneração variável como incentivo, a nova legislação confere estrutura mais robusta, com definição de conceitos, critérios objetivos de julgamento, prazos específicos e vinculação à matriz de riscos.
Exige-se, ainda, que o pagamento esteja condicionado à efetiva redução de custos ou à obtenção de ganhos mensuráveis para a Administração. Com isso, os contratos de eficiência se consolidam como instrumentos centrais de uma gestão pública orientada a resultados.
A tabela a seguir sintetiza as principais diferenças entre os dois regimes:
Remuneração Variável | Contratos de Eficiência | |||
Critério | RDC (Lei 12.462/2011) | NLL (Lei 14.133/2021) | RDC (Lei 12.462/2011) | NLL (Lei 14.133/2021) |
Base Legal | Art. 10 | Art. 144 | Art. 23 | Art. 39 |
Objetivo | Incentivar desempenho do contratado | Vincular remuneração a metas de qualidade e economia | Reduzir despesas da Administração | Reduzir despesas e otimizar gastos públicos |
Aplicabilidade | Obras e serviços no RDC | Qualquer contrato público com critérios de desempenho | Qualquer contratação com obrigação de economia real | Exclusivo para contratos com metas de economia mensuráveis |
Forma de Pagamento | Bonificação ou penalização conforme desempenho | Premiação ou penalização baseada em metas | Percentual da economia obtida | Percentual da economia obtida |
Critérios de Avaliação | Eficiência, qualidade e produtividade | Eficiência, qualidade e produtividade, vinculados a métricas objetivas | Redução mensurável de custos operacionais | Redução mensurável de custos, com critérios mais detalhados e transparência jurídica |
Regulamentação | Menos detalhada, deixando a definição a cargo do contrato | Mais detalhada, exigindo previsão explícita em edital e contrato | Geral, sem critérios rígidos | Regulamentação específica na IN SEGES/ME 96/2022 |
5. Considerações Finais
A Lei 14.133/2021 aprimorou os mecanismos de incentivo à eficiência, tornando mais atrativa a adoção de modelos contratuais que promovam melhores resultados para a Administração Pública. Tanto a remuneração variável quanto os contratos de eficiência são ferramentas que permitem a aplicação de uma lógica voltada mais diretamente à eficiência. Espera-se que tais figuras sejam utilizadas com mais frequência à luz da nova legislação.
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¹ JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. São Paulo: Revista dos Tribunais/Thomson Reuters, 2023, p. 1568
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² SCHWIND, Rafael Wallbach. Remuneração variável e contratos de eficiência no regime diferenciado de contratações públicas (Lei 12.462/2011). Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n. 56, out. 2011. Disponível em: https://justen.com.br/edicao-56-outubro-2011/
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³ JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. São Paulo: Revista dos Tribunais/Thomson Reuters, 2023, p. 1576.
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⁴ SCHWIND, Rafael Wallbach. Remuneração variável e contratos de eficiência no regime diferenciado de contratações públicas (Lei 12.462/2011). Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n. 56, out. 2011. Disponível em: https://justen.com.br/edicao-56-outubro-2011/
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⁵ SCHWIND, Rafael Wallbach. Remuneração variável e contratos de eficiência no regime diferenciado de contratações públicas (Lei 12.462/2011). Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n. 56, out. 2011. Disponível em: https://justen.com.br/edicao-56-outubro-2011/
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⁶ JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. São Paulo: Revista dos Tribunais/Thomson Reuters, 2023, p. 1570.
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⁷ JBOLOGNESI, João Antonio Luz. A primeira licitação pelo critério de maior retorno econômico pela nova Lei de Licitações (Lei 14.133/21). Informativo Eletrônico, Edição 196, junho de 2023. Disponível em: https://justen.com.br/artigo_pdf_1_est/a-primeira-licitacao-pelo-criterio-de-maior-retorno-economico-pela-nova-lei-de-licitacoes-lei-14-133-21/. Acesso em: 28 mar. 2025.